23 de janeiro de 2008

O radical livre é produto da cisão original do movimento.
Verdadeiramente falando, este radical livre apresenta-se, originalmente, como o próprio fundamento da Estrutura natural, ou seja ; como uma forma directa de se relacionar com o objecto natural e isto sem que se possa considerar a existência de um sujeito no sentido de sujeito humano. O radical livre será, neste sentido, uma espécie de proto sujeito, ou talvez não sujeito, e que é colocado pela estrutura artificial triunfante como (seu) ponto axial e isto por forma de um qualquer tipo de sacrifício ancestral. Este é o momento do irromper estrutural/estruturado em que efectivamente se cria sujeito (interno) e objecto (externo) e que vai, desde aí, desferir no sentido velado pelo paradoxo de sujeito/objecto e referir, por forma de (i)rradiação moral ao radical sacrificado (ao vazio sacrificado). (O) radical é livre porque vazio de todo e qualquer resíduo moral e é por este mesmo motivo que (se) sacrifica e implanta como eixo de cada nova estrutura artificial por forma a servir de motor e câmara de exaustão das radiações e (i)rradiações morais que são, estas, como disse, geradas na/da dialéctica sujeito/objecto magnetizada no radical livre. O radical livre absorve, neste processo, as radiações (morais) excedentes da dialéctica sujeito/objecto - que são o próprio combustível não refinado da estrutura – e que após serem naturalmente processadas e purificadas no (seu) seio são, então, irradiadas por sua vez do núcleo radical (que é amoral) alimentando e densificando as redes e padrões da estrutura. Estas redes ou canais por onde circula a radiação moral processada no radical vão densificando (se) e calcificando (se). Enquanto o núcleo radical (livre) for capaz de purificar (refinar) as (suas) contínuas radiações a estrutura ir-se-á mantendo, cada vez mais rígida é certo, e isto até ao ponto em que o núcleo já não mais terá a capacidade de processar todo este excedente crescente de radiação, e, então, o radical livre (enegrecido) , libertar-se-á, num processo de desfazamento, do núcleo (em desagregação) que acabou por plasmar a própria estrutura artificial moribunda da falta da sua natural radicalidade (é a queda de um anjo).

18 de janeiro de 2008

O Sujeito interno, o eu, é produto da refracção do movimento e caracteriza-se em instinto de preservação da (sua) intimidade. Neste sentido, o sujeito é objecto e pode considerar-se o corpo de lei como sujeito/objecto numa projecção ritualizada e convencionada do paradoxo interno/externo. Como “eu social”, superego. Isto seria como um instinto de desagregação da artificialidade que se socializa em instinto de conservação da estrutura, da espécie. Eros e Tanatos, ou amor e ódio, são, neste sentido, o mesmo ; pontos de vista apoiados, ou localizados, em um dos pólos resultantes da refracção. Poderei dizer que o interno refere num externo, na lei ? Que esta lei é convencional e, apenas, refere no interno ? Que ambos referem, em última instância, se o posso dizer, no corpo ; que é como a técnica que refracta os pontos de vista em dois pontos de vista ? A substância, contínua, originalmente refractada, é (o) silêncio de soberana imanência que se busca destes dois pólos e é a verdadeira substância do referente, que é o corpo, e que funciona, como que primeira face da imanência, que é o movimento. É que, quer a natureza primeira que se sente do sujeito/objecto, quer a natureza segunda que se convenciona desta relação paradoxal, a lei, fazem-no, pelo fluir da continuidade do movimento para quem remetem em última instância. Este sentir e esta reflexão são, por forma deste duplo processo de perversão paradoxal, desviados do seu sentido original que é ausência de sentido, simples movimento imanente. O Corpo - a Técnica - a Lei - são, resultado físico deste jogo paradoxal de desvio e máscara do movimento.

17 de janeiro de 2008

A Cólera de Deus (março 45)

Escutei ontem às cinco horas da tarde a história mais terrível que alguma vez foi contada no seio da humanidade.
É a história da cólera mas não creio que a humanidade a compreenda senão após a ter tornado a contar tal qual ma disseram, uma vez que não a tornei a contar tal qual a compreendi, o que quer dizer que não sei por que abominável sonho fez por chegar-me, mas a vida, onde se banha o meu sonho, não saiu ainda desta vez - onde estou, pois é a vez onde estamos que conta, e não sempre todas as outras vezes.
Quero dizer - desta vez - de onde vem esta distinção que vivemos na actualidade do tempo e do espaço e as outras que não, mas de onde vimos, e para onde, parece, iremos. Se lhes viermos, estas serão bastante mais como a vez eterna - onde estamos - do que esta outra onde nos vemos mas onde creio que na realidade não podemos verdadeiramente ser, e onde, de facto, não somos.


Mas basta de Filosofia. Trata-se aqui da história de um cão morto que me escutei contar um dia em que tinha a febre, como se, doente, fosse eu próprio responsável por ter escolhido descender no mal.
Esta história de um cão morto que dá a cólera a uma criança assemelha-se-me, estranhamente, à história do Infinito Divino que se teria deixado descender no mal até ao estado de besta morta e que, morta, teria sido maltratada(o) e despedaçada(o) pelos seres como um cão por pequenos gaiatos.
Preciso seria soltar o princípio de Deus até imiscuir-se na putrefacção cadavérica das coisas afim de o fazer cessar, pois, onde este fedor cadavérico não estiver, então, apenas estará, no plano do criado, o símbolo extremo da decomposição onde as coisas chegam quando as fomenta o infinito.
Vê-las assim é restabelecer Deus e toda a sua potência pois que o ser do cadaveroso nunca terá sido Deus, ele próprio, mas antes o cadáver expiatório do sacrificado que assume o fedor das coisas na expectativa de que o infinito, que professa, sempre lhe regresse e regresse.
Ter sofrido o mal inelutável de ser é ter evitado a Deus o ser tocado por si mas é ter admitido ao mesmo tempo que o Mal é inseparável de Deus e que Deus apenas teria descido para decompor a ideia pela sua presença e, por consequência, para a fazer cessar e mostrar por sua explosão final que o que ele é nunca teve a ver com esta ideia, antes, que esta, nada mais é do que o eterno reencontro vivido no recomeço de cada eternidade entre o sem forma e a forma, o infinito e o finito.
Ora é com esta Metafísica que as coisas foram uma vez perdidas e a Verdade é que o Principio de Deus foi ele próprio sugerido no finito quando nunca aí deveria ter entrado, e, se por principio, com efeito, ele não pôde aí entrar, e está morto antes de nascer, é porque o seu cadáver de virgem sofreu por 77 vezes sete eternidades a ver-se coabitar com um Mal que não compreende e que veio sempre, apenas, da sua adesão ao ser e da sua cobardia que abdica perante este. Não foi necessário nem ao invés soberanamente nocivo para Deus ter feito o trabalho de descender para sanear pois, na realidade, Deus não desce nas coisas e ele aí não é mais do que um sofrimento repulsivo que apenas sofre do que aceitou reprimir pois recusar reprimir o mal e curá-lo seria impedi-lo de nascer, de ser, e este, jamais viveu que não fosse do sofrimento daquele que crendo, o imaginava. Nunca existiu tempo de realização nem de ciclo para Deus. Ele é (o) eterno presente e nada têm pois que ver com o afivelar da fivela do reencontro e contacto.

para ser, morrer e ir
pois que ele é sempre e morre jamais.

O que leva as coisas (à casa de) Deus não é o Tempo ou a Lei mas a inveja e o capricho da Piedade e do Amor.

Dito isto reencontro as origens da cólera.

Não estava desperto nem adormecido quando me foi dado compreendê-las – antes, como nos sonhos, (em) que nos cremos despertos e estamos seguros de não ser duplo de um sonho - pois o acordar vos não repôs na vida.
Não sou, de todo, o ser expulso de Deus por seus pecados e que deve pela purificação regressar-lhe, antes, o irredutível do ser de Deus que deve por um lado, desembaraçar-se do ser, e por outro, desembaraçar-se de Deus.

E não quero ser o ser pão,
o pão fabrica-se e come-se.

Antonin Artaud - “Textes e lettres écrits de Rodez, 1945 »

16 de janeiro de 2008

O ponto toma-se na sua parcialidade e na oposição ao plano da totalidade dos pontos da qual é constituinte parcial. O ponto dá-se, de si, da sua individualidade pontual (independência e originalidade) e da qualidade constitutiva da totalidade espacial que têm em conjunto com todos os pontos que, assim, produzem o dito todo. É como estar dentro e fora sem que se possa sustentar, efectivamente, num ou noutro conceito. Após este exercício poderá surgir no ponto a tese pontual de que este ponto é próprio todo com consciência pontual da sua própria totalidade...

15 de janeiro de 2008

Portas, células, sótãos, banquete... o quarto que tinha de escolher era um sótão ou um estábulo, um santuário ou uma prisão?Era eu um homem ou um animal?Estava um mundo inesgotável de pensamentos dos quais eu bem sabia ter, no fundo, a chave... e nunca se decidiam a estender-me a chave, porque nenhum destes pensamentos era eu, embora fossem tudo o que de facto eu pensava. As portas dos quartos e células defronte dos quais me encontrava, e que se agitavam de cólera no meu coração, com as suas fechaduras e as suas chaves, eram, na realidade, espelhadas do silêncio de uma hipócrita animalidade: - abrir-me-ei quando fores como eu - eis o que cada fechadura, saltando do meu coração, parecia dizer-me. Eu era homem, mas as portas, com as suas fechaduras de cólera, queriam ver-me a pensar-me, a mim mesmo, como animal, a admitir, enfim, a minha animalidade. E era o que eu não podia aceitar. Desconfiava de cada porta a passar e nenhuma me parecia segura pois não sabia se eram portas que davam sobre as prisões do mundo ou sobre os espaços das eternidades. Ah! Se todos os quartos tivessem sido iluminados como no tempo em que, tendo as encostas da montanha aberto perante mim as portas da imensidão, eu via o infinito sem fechadura e sem chave... mas o tempo era já trespassado.Porque nos encerrámos assim - não paravam de bramir todas as fechaduras com as suas portas e as suas chaves - nós, que somos tudo o que te quis encerrar ?Deixa-te estar por fim, deixa-te estar, todos somos dignos porque tu és digno e somos excedidos a fim de ser fixos e toda a nossa direcção nunca foi senão o ódio que chocámos para a tua dignidade.Quando estas palavras de revolta dos homens contra a minha boa vontade se completavam ouvi um lancinar de gongo que protestava até às nuvens, este era o sinal de que todo o infinito estava agora ultrapassado pois a imensidão, ela própria, uivava perante a violência que lhe tinha sido feita, e eu, sabia que o infinito é a própria dimensão sem outra medida que a da sua própria vontade que grita, até às nuvens, desde a hora em que é ultrajada. Mas que tenho eu que ver com todas estas portas do ser e dos seus símbolos figurados onde entrar? Serei eu então o céu ou o mar, ou as vagas das imensidões que escuto rugir no meu coração como carnes num estábulo, eu, que caminho o meu esqueleto na carne e que até à minha ultima hora não terminarei de reenvolver. Portas eu não terei o vosso orgulho! Prefiro o ruído do meu passo na terra à violência das eternidades.Mas a esta maldição contra a vida que me encerra nos caprichos da sua entidade já não tive tempo de a completar pois então já não era mais do que um levantamento feito pelas vagas que me rugiam ... e todas essas portas fêmeas de fechaduras de múltiplas chaves, que do oriente hipnótico das coisas voava com rapacidade para mim, transportavam-me, em não sei qual coração ou ser de ser, que me envolvia. São as mães que acometem no eu de todo o homem com as suas asas de sagacidade - era o que me dizia nesse momento o meu pensamento - e eu não sentia mais que o arremesso e o passo de homem onde me escutava sobre a terra, e a terra tinha-me enterrado, tendo-me largado com o meu esqueleto e a minha carne, e eu não era mais do que a intrusão destas mulheres onde cada porta era agora rejeitada.Eis enfim que a liberdade me regressa no pensar (em mim) estas excepções ligadas. Liberdade de ser e abraçar o que (se) pensa, quer dizer, de se misturar. Para conhecer a felicidade de existir cessaste de te ter como o marco dos quatro braços cravados contra tudo aquilo que quis denunciar e conceder. As coisas não serão como as quiseste pensar mas tal qual se amarem - elas mesmas - contra o teu espírito de contenção insensata.Não podemos viver sem animalidade. Conheço desde há demasiado tempo o ponto de traçado espelhado onde se enreda a vontade humana e as abomináveis torções que irrompem da parte de uma entidade revoltada por ser lograda de todas estas falsas ideias. O eu quero – imprescritível - do eu não está sozinho, pois é realmente neste ponto do cérebro - em que a alma individual e pessoal se pensa - que outros coabitam com ele, e trabalham, desde sempre, contra ele. Antes que tivesse tido tempo de decidir por mim próprio o ser de viver despossuiu-me. (retirou-me do conhecimento). E foi assim que as mães violaram o meu pensamento. Onda após onda convergem sobre mim de todos os pontos dos seus imundos desejos até ao dia em que entrarão em carência, a carência do manifestado da vida.Conheço a carne de consumo do sótão e da fechadura do estábulo, a batalha entre o manifestado e suas mães, e o não manifestado dos sobreviventes. Sobrevida do que não foi vida. Sísifo empurrando a sua rocha no espírito não têm mais realidade nos sonhos do que o grito deste terrível Aqui jaz, onde o que não existe na vida e para quem o ser necessita de sobrevida, se me fez reconhecer no sonho quando as mães me repuseram, de novo, na vida. O inacessível infinito das sobrevidas é para o ser mais tentador que o ser, pois, sobreviver, é ultrapassar um ser quando este ser é estrangulado pela vida. Viver é um tempo, sobreviver é, pela recusa do tempo de ser, não deixar esta eternidade de não ser onde triunfa a inteligência celeste, espírito do não manifestado da vida. É aqui - digo eu às mães do sonho no momento de me despertar - é aqui em breve que a veremos existir... Antonin Artaud; Les méres à l’etáble ; Les nouveaux écrits de Rodez ; 1946. (tradução livre)

14 de janeiro de 2008

A preguiça do português tem como causa este Oceano que é forma de porta que apenas admite sentido no infinito. Oceano. Os portugueses - os que o são - são poetas na Europa. Como numa absurda impressão que se conserva, lassa e distante, o dizê-lo vêm sussurrado longe – vagamente - e sedimenta-se numa nocturna tela composta das histórias do movimento que está fundo. Este é o fundamento sacrificial duma ancestral carnificina impressa, já, em cada renascer oriental no ocidente e. que - como num círculo vicioso - faz este regressar original que tolda do crime a impressão - que sempre volta - em peso de Oceano. E esse é sempre o nosso drama (o dos portugueses) ; que essa verdade sempre ®eencontrada nos remeta na impotência que nos retira e esmaga na certeza, repetida, daquela impressão ilimitada. A tragédia do português é esta herança da memória de um sol que nasce todos os dias já truncado desta tragédia de estar ! Cortamos cordão umbilical que é nosso rio. O tempo é de alcançar-mo-nos, nós ; no nosso espírito de gravidade, e tomar-mo-lo-no, livres, desse rugir da vastidão. Nós, os que somos portugueses, somos os cidadãos globais.

11 de janeiro de 2008

Ao entardecer os estigmas dirigiram-se ao local do confronto. Ali, na hora marcada, o ambiente era tenso, rumorizava o silêncio. Súbito, o estigma irascível precipita o desenlace ... gritos, estertores, rumores por fim. Perto, numa esquina sombria, o estigma pacifista observava...