26 de dezembro de 2010

No dia seguinte estava cinzento como fora um rescaldo, um abandono, ou os que perdem-se, os que procuram ainda, enfim, as raras aves nunca poisam, apenas pairam e vão circulando como que para dissipar a névoa de uma qualquer presença nas pontes perdidas do tempo onde estará, é uma interrogação que fica, o universo é como amálgama de detritos voláteis embutidos na superfície dos corpos revirados a apodrecer em cada dia, luzes na luz do dia seguinte, e nós, que apenas queria ficar i-móvel.

24 de dezembro de 2010

Impassível, dizia o olhar, im-passível. No lugar perdido, (como esse), ergue-se o tempo às altas torres, aos castelos abandonados – e o vento tomava-te os cabelos que diziam (o) olhar (do) que passa - como sempre, levou consigo o (ruidoso) silêncio da noite.
O pontilhar da bruma no fundo.
Uma antiga voz que chama.
Qualquer coisa.
Levanta-se o corpo e fica por detrás dos olhos.
Uma imagem, (quase sempre começa numa imagem). Voz muda - os sincopados corpos a deixar à noite o som todo e a afundar, no seu silêncio, um subir das entranhas na luz difusa. Era essa a imagem muda da voz que corre em qualquer coisa, num espaço do mundo, das palavras, depois retira.

23 de dezembro de 2010

Espera-me a canção nos olhos que fogem.
Envolta em cada palavra rompe ao grito dessa luz sem fim.
(São pedaços dessa imagem).
E olhas-te então como qualquer coisa.
Chega-te. Vês. Na sombra. Os pedaços do teu desejo.
Últimas ondas.
Os fios de um enigma.
O espaço em passo terrível
como que chega
em sobressalto ao ventre
dos metais em festa.
Singular como as coisas, assim.

22 de dezembro de 2010

Ao Espelho.

Fica perante o espelho e vê a sua própria cegueira. As franjas dos seus olhos estão pesadas, como esculpidas no aço. A sua pupila é cinzenta como a névoa suspensa da ideia universal. E o espelho no qual observa está completamente cego, vê a sua própria cegueira. Fica perante o espelho e olha tão claramente, com tanta acuidade, não pode, no entanto, transgredir do olhar a sua própria cegueira – ela está tão longe, ilimitada!

Moshe Nadir ; “Anthologie de la poésie yiddish” – Gallimard - (trad. livre).
Inerte ao vazio da direcção,
(esgotados postos pontos),
não se reflecte a distância,
da inicial explosão do fim,
nos crivados cantos dum sopro
cinza em rajadas de cor aos seus retiros.
Ao tornar sonho em cada lugar,
cintilante por detrás dos olhos,
(súbito nas superfícies do brilho),
fica a noite o dia, lugar sincopado,
nas gargantas abertas, sabor ausente.

20 de dezembro de 2010

E de novo as mesmas observações. Como avalio da completude do movimento? Posso talvez falar de um fim, de uma intenção subjacente, o movimento, uma memória do processo. Mais interessante seria qualificar este “tipo” de intenção, pois, não existindo premeditação, quer dizer, sendo o movimento executado de uma forma absolutamente intuitiva, também não existiria uma reflexão prévia da intenção. Seria, talvez, uma “tensão”, um “tensionado” movimento na direcção do objecto. Sujeito?
A razão é o “método” de transposição do campo “em direcção”. A “imagem” da razão é: o reflexo das linhas de força do campo … e iria dizer que se trata de uma “imagem invertida" dessas linhas de força mas não tem necessáriamente que ser assim, antes, não o é, de todo, assim. A “razão” é: a consideração do método de transposição das linhas de força instauradas em campo e em função do objecto desejado. “Ali” instaurado. Estas “linhas” dão-se em função do objecto, do sujeito, é por isso que o “objecto” é condição do campo, antes, esta “relação da posse”.
Todos os tempos do momento executados num movimento perfeito. Completo. Estava perplexo. Todas as tonalidades numa escala perfeita.

E o que é uma escala perfeita? Como reconhecê-la? – E digo reconhecer, não conhecer, de um modo imediato, sem pensar, não há, aqui, e de facto, qualquer tipo de intervenção da consciência -. E o que é uma escala perfeita? Como avalio, neste sentido, da perfeição de uma escala? Reconheço-a. Poderei dizer que a reconheço em função de um efeito atingido? Creio que não. Trata-se de uma impressão remota. Uma remota impressão. Estética.
Nada em vivências do instante.
Suspenso qual viajante do tempo.
O olhar de surpresa. Nada nessa imagem, de novo. Apenas ficara e ligeiramente tocado (que o tempo não é de excessos muito obrigado) atrasam-me essas cadências de vida como um tempo que sempre já passou. (Como as conjecturas do cordial assentimento). Sigo. Não houvera (muito) mais a dizer. Este horizonte a perder de vista não é o mundo, és tu, e faço de cada vez o gesto preciso que parece no gesto (o) que o mundo espera do gesto, (são derivas que lhe ecoam, com certeza, ensurdecedoras na minha voz). Momento após momento, instante após instante, sucedem-se essas imagens e a mim, que nasci imóvel … perturba-me essa perturbação. Assim era o jogo dessa morte alegre. Sucedem-se os ritmos e a direcção é uma. Nada fica dos corpos tecidos. Um apelo do quê, afinal?
O aparentar. O desvio.
O rio em correntes que deslizam nas linhas de um correr magnético.
E um todos os dias sol ao culminar dos elementos.
(A cólera talvez).
Nas conjugadas cores que perfilam.
(Os mundos ao mesmo, e mesmo assim).

19 de dezembro de 2010

Corpo desperto a todo o exterior. O olhar que apre(e)ndia. A progressão. Uma saciedade que o movia. Faltava um contacto. O vago sentir da finalidade atravessava a densidade da paisagem. Em espaço aberto. Estendiam-se as multidões de formas, a perder de vista. Passou num instante. Considerava. Nada que olhasse o movia e deixou-se ficar, instantes, nas franjas daquela planície. Estranhava. Manifestava-se um primeiro apontar e entrou, vagarosamente. Uma diversidade, ramos e conduções da cor, as rugosas peles magníficas, as esguias delicadezas do matiz da beleza, um pó da terra seca, os recortes sombrios da pedra distante, a magnífica presença do verde, as estranhas luminosidades dos declives batidos, continuaria, ignorava, (então), a presença de um certo tipo de movimento mecânico. Buscava um certo sentido.

18 de dezembro de 2010

A pele activada.
O despertar da atenção.
A circulação quente.
O silêncio por atingir.

E de novo o dia, um dia. O sentir de uma imensidão estranha. Os olhos cortados de uma luminosidade nascente, apenas distante. Dos cimos de uma qualquer rocha, cresce o olhar agitado, a imediata busca de um movimento. Deixara correr assim as primeiras manifestações do efeito, da imagem. Ensaiara. Descera então essas escarpas, passos cautelosos, banhado em suor. Tivera deixado a noite atingir os baixos daquela cor e por todo o lado as sinfonias de um novo acordar. Faltava o gesto. Os espaços dessa vez. Seu tempo.

17 de dezembro de 2010

Perfilara o abandono
Num deixar súbito
Que sustentara o olhar.
Num reencontro:
- A vida é estranha.
- Tem os seus momentos.
Uma raiz prenhe de malabarismos, Cada palavra. Os reinos do signo. Uma voz. “Davar”. Inadvertidamente o verbo. Trespassado o tempo, suspenso, uma interrupção. As múltiplas colorações. Escalas de uma transformação como foram as várias tonalidades de uma paleta, da composição.
“Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos, que ela tem que tomar a dianteira com princípios, que determinam os seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por estas (…). De onde provém que a natureza pôs na nossa razão o impulso inalcançável de procurar esse caminho como um dos seus mais importantes desígnios?

E. Kant ; (prefácio da segunda edição de a “Crítica da Razão Pura”) – Gulbenkian.

O “caminho da providência”. Da “posse”. Da saciedade. Da “razão” enfim. Como fora o “indício” do mais primitivo dos instintos.
Como pensava este rio.
Os seus ondulantes reflexos.
As janelas desta melancolia, desta cidade.
As melancólicas tonalidades desta cidade.
Como foram reflexos do sol batidos no ondular das águas deste rio melancólico.
Este rio das melancolias passadas.

16 de dezembro de 2010


Palcos de fundo de uma justificação, subtil. A acção. O “estado indeterminado” ‘e a própria composição. O estado dela, seu momento. Poderá o quadro estar acabado em qualquer momento dado, estado? Sem dúvida, é sempre um quadro acabado. O quadro que, no seu “momento”, coincida com o “Zeitgeist”, é o quadro “perfeito”. O quadro em que a tensão exclusiva do artista coincide com a conveniência do tempo, com a intenção do tempo, é o quadro onde tudo fica claro.

J. Vermeer - "A Arte da Pintura".

15 de dezembro de 2010

Um diagrama preenchido é incompatível com qualquer tipo de leveza.
Apenas nada e o calor. Árido, ávido, efeito.
Atentado de um poço de ar cardíaco.
Os momentos do terror sanguíneo, (como se o excesso da passagem deixasse um turbilhar no pensamento), são pensamento da terra, dos corpos.
Naturezas da relação.
Ruas brancas, ávidas.
Desertos. A sede.
Uma aparente facilidade.
Como se as observações se tornassem mínimas.
Na voz. Na vociferação.
Como se no culminar dos jogos se aproximasse o momento da in(di)versão … valeria a pena?
Outra tentativa.
Todas as tentativas.
Os percursos de uma posição móvel.
Uma isenção, antiga regra alquímica.
Nada, nada, um chegar da natural matéria.
Qualquer coisa.
Qualquer pensamento, destacado.
Aquelas antigas elevações das fontes ocidentais.
Graves. O suceder dá que pensar.
Talvez possa começar.
Fica uma certa arrogância.
Todas as entrecruzadas condições,
Causas desse atingido sentido.
Todas as vidas passadas e fica o momento.
Passam dias, horas, eu, já não dou conta.
Está frio aqui. Já não digo “um dia”.
Percorre-me todas as fibras o abandono da razão, dos percursos.
Não conto os encontros, não conto nada.
Por vezes, é certo, chega-me essa memória intrusa.
Como lhe responde o vazio.
Nada guardo.
Sinto o olhar perdido, bem sei, fica-me, como fora nesse lugar em que todas as palavras perdem-se, onde os actos nunca chegam.
Afasto os sonhos.
Perto, apenas essa miragem.
Estátuas.
Já nada é estranho.
Os olhos que te percorrem não eras tu.
Recomeço por fim, (é sempre recomeçar), no fim dessa imagem qualquer coisa de nada … e o que resta?
Continuar? Concerteza.

13 de dezembro de 2010

Uma (incipiente) tentativa de progressão na espécie.

(Atempo)

Como se se desse o caso de um tal pensamento e muito possivelmente não regressaria naquele lugar, era, como se lentamente abrisse os olhos e suspendera-se, instantes, na recortada figura da paisagem grandiosa, não trazia o prolongar das noites, qualquer ligação do rumor distendia-se ao passar do momento e lançava-se em turbilhão como se foram abismos de uma certa conclusão que repartia - estranha aquietação – a figura de uma forma vaga da intuição do ritmo, que punha-se, sem imediato sentido, como fora o coligir da frase em perfuração - um inútil assim - que fazia por esquecer “um qualquer coisa” que soltava-se na repetição das palavras deixadas ao acaso, única ideia, eram, todos os rumos deixados a fazer linha de um pensamento.

Apenas um sincopar, uma grafia.
O apelo de uma fonte que atingisse a progressão da ideia.
Como não tomara à partida um passo adquirido ou surpreendera um instante em trabalho.

O atirar dos olhos.
Repente que toma, na passada, os novos corpos que flutuam, passageiros, no rasto deixado de um movimento veloz.
Apenas um vazio.
Segundos que passavam.
Tempos do movimento insistido,

Buscava dentro as futuras combinações de uma paleta que colorisse a posição de um vaso em “perfeito” vazio e, num instante, como se diluísse um excesso de peso e transitasse as transformações da sintaxe; uma “certa forma”; era, como se chamara um vento aos seus ardis ou veículos que tomassem vida na exaustão de todos os circuitos das frases em cadeia. Marcações de um recipiente futuro, um simultâneo do fazer.

Como fora, o protagonismo da forma que insinuara as outras avenidas fáceis em partidas de um ponto tomado nas “résteas” do pensamento adquirido, (uma diferença fundamental), como o agarrar-se na passada e levar, consigo, as emergidas superfícies de um pensamento revelado no concurso da notação, deixado numa certa grafia.

Rotações de um percurso elementar, esquecido, ao adiantar, (consigo), os tempos da marcação que põe-se em qual matéria.
Num acerto.
Numa luz no movimento.
Na súbita coincidência das fontes reconhecidas.
Calcorreadas.
Como fora, o continuar das façanhas vazias nos mais apagados pretéritos em solução das partes que, corridas, surgissem da composição de um movimento futuro. Uma partida na sombra. O mais dos caminhos, (ao acaso), que fundara-se, por vezes, na razão dos sulcos de uma matéria esquecida. Os abandonados espaços do antigamente. O móvel circunstanciar das tomadas de forma. O ritmado recesso das recipientes invocações.

O alongar das recorrentes passagens deixava como que a sombra de uma forma, afigurava-se a presença de um discurso, um iminente agarrar de atenção, a descida de um pensamento vago que suspendia qualquer determinação - o abandonar-se a um movimento é acto da concentração, funda, autenticamente, a decisão do instante que segue, antes de qualquer coisa.

Isso.

(Espaço)

A mais elevada forma do acto.

Espera, a súbita fuga,
na tentativa do agarrar,
o peso das cadeias,
em súbito divergir,
a uma aproximação limiar,
em geometrias da força sucessiva,
numa curva larga,
ao berço das dinâmicas em transporte,
no corpo carnal que fizera-se,
da vectorial marcação das linhas dispostas,
ao chegar do limite,
e na prévia consideração das órbitas elementares,
(imagem chave pensou); uma visualização da massa que rodopiara, colorida, por danças de um sistemático e regulado conjunto; como fora o ensaio da transposição interna em prévias considerações da trajectória e no divergir da linha limite, uma aceleração luminosa.

Dinâmicas considerações do acto dinâmico.
Algo que dispõe-se, “confuso”, no interior que aparece.
Um esboço de significado a um veicular sugerido.
O apontar de uma finalidade, um significado.

Visual sugestão das dinâmicas do acto do movimento da fuga, como fora uma aproximação, mas de dentro, não a relação de conjunto elementar, mas sim, a indicação das linhas do movimento.
Condensava o peso de uma passagem.
Um agarrar dessa “força”.
Apresentava-se como que talhado a golpes de machado.
Corte rude, uma primeira posse à força.

Não sentia, no entanto, o interno constranger que sempre provoca o movimento condicionado, a precipitação, isso, havia de querer dizer alguma coisa, pensou, como se aquela posição atingida estivesse fora de alcance, e, como não considerava um afastamento desse tipo, apenas surgia uma chegada no próprio desses núcleos.

Era o começo das imagens.
A (proposta) linha limiar de chegada.
Fazia por ver a sua volta,

Adiantava a condição do tempo (que surgia) como direcção curva que lentamente se chegava em limite, como fora a preparação duma entrada, uma desaceleração, uma primeira manobra, faziam-se precisas as linhas da relação, numa certa elegância, nas precisões do movimento, nesse plano, em leis da condução da trajectória, (da razão pensou), uma não alinhada trajectória que adquiria as leis de uma certa possibilidade espacial, que dali se regulava.

(Tempo)

“… passa para a segunda transição e desta para o seu vizinho …”.

Uma introdução. A imagem.

O sinal de fundo tomado num certo fechamento da figura.
Coincidira a forma, (terceira dimensão acabada), e acendera um olhar, nos gestos por detrás de uma cortina em chamas.
A progressão das sombras que emergiam.
As danças vagas, os gritos mudos.
O fogo solto nas imagens que nasciam.
Vago pormenor que sentira.
No ponto de um pensamento tomado.
Dirigira uma atenção.
Ao vago sugerir das histórias.
E nas voltas dessa fogueira.
As sombras à sua volta.
Pensou: era como se o surgir dessa cortina em chamas fosse o irromper do tempo desencadeado nos ápices do fogo. Numa relação.
Chegara: o tempo era um rio atingido.

(A “ultrapassagem” dessa (anteriormente) considerada linha limite no espaço surgia-lhe agora de uma forma lúcida).

Faziam-se as palavras.
O entrar das danças, do fogo.
Por detrás dessas sombras.
Ao fazer entrar os rios, as florestas.
Chegavam as cautelosas passadas por entre os gigantes à volta.
E os raios de sol por entre as ramadas densas.
Ao avistar da carne em silêncio.
O entrar das arestas em ferida.
Que jorra em vermelho.
Nas mãos que se banham na partilha.
Febre saciada,
E os olhares que fazem-se.
Interrogam-se.
No profundo do retiro ao fim do dia.
Ao cair de todas as estranhas colorações.
Apelos próximo.
Um cair frio, escuro.

11 de dezembro de 2010

Os pretéritos.
A instalação das fugas.
O discernir dos objectos.
A interna regulação das convulsões.
De uma qualquer maneira.
Na mostra da face.
E das vidas reguladas.
Em sofrível conta das derrotas.
Que acertava como que na prudência do acerto.
Aqueles rostos antigos.
Dos olhares em volta fechada.
Nos estábulos.
Em manifesto de toda a consideração.
Nos rastos da noite.
No lugar.
Apenas num ensaio.
Das rupturas a fazer perto.
As conquistas de um novo mundo.
Em tomada das posições móveis.
Numa manutenção leve.
Do caminho.
Traços de um.
Deslizar das falas.

O desejo diverge em saltos de uma não permanência da imagem, em espaço “preenchido”.
Todas as primeiras vozes.
Aquele prolongamento da noite.
O encorpado fogo urgente.
Permanecera o sol.
Em qualquer impossível.
Forjado das certas condições.
E nas linhas insistentes.
Dir-se-ia povoado das imensas multiplicidades, distendera-se e, como continuara, cruzou, tentou pelo menos, incomodava a direcção, pensou:

não iria pensar,
todo o dia passara,
e aí regressaria,
em tempo,
e como era difícil,
e no entanto,
estava,
e porque não,
a primeira coisa que lhe não ocorria era nada,
passara como um vulto,
quem sabe,
estado,
em movimento,
em rotação,
algumas funções elementares,
a posição dos olhos,
agora não,
uma certa naturalidade,
os corporais solfejos,
dos primeiros indícios,
do movimento explosivo,
(as fibras e não sei quê),
esquecido,
de uma certa maneira,
nos pontos de apoio,
do movimento encadeado,
como se fizera,
o que fazer,
na próxima manhã,
ou um dia,
uma coisa sabia,
sabia-o,
e apresentava-se assim
- havia de não ler, pensou.

Discutia-se então a eterna questão dos universais indeterminados e como isso lhe aparecia tão profundamente indiferente. Como os mesmos afinal. Pensou então: apesar de tudo estes existem mesmo e independentemente de tudo o que se possa dizer.

- Parece-me um pouco arrogante da tua parte, diga-se.

Mas não, repara, toma como exemplo, simbólico claro, a “zona mesopotâmica”, qualquer animal que a veja, ou sinta se lhe amplificarmos o significado, reage de um modo que é universal entre os animais, logo, a sua existência, a da “zona mesopotâmica”, neste sentido abrangente claro, não depende de qualquer habilidade ou distinção feita pelo animal que lhe reage, até porque é incapaz de o fazer, mas o que é um facto é que reage e quer seja à vista, quer seja, inclusivamente, (e isto é importante), à própria sugestão da “zona mesopotâmica”, reage e pronto, logo existe, a zona, quero dizer.

Bom, bom, mas que feitio, apesar de tudo parece-me um “raciocínio” bastante “coxo”.

Que o é, sem dúvida. Mas faço-te a inversão da prova. Imagina: és um animal, não pensas, não pensas, logo, não existes, se não existes também as coisas que vês não existem, para ti, pois não possuis a habilidade de assim as considerar, reages, no entanto, à presença ou à própria sugestão da “zona mesopotâmica”, logo, e assim que te recolocares no lugar que te pertence, o de “homem hábil”, tens de considerar que, se estes elementos a que chamas universais, sejam eles aqui indeterminados ou não, têm, desse teu ponto de vista, “existência”, e, seja essa existência, que dessa tua posição não podes deixar de atribuir, nas coisas ou fora delas ou ainda existência distinta ou não nas ou das coisas, tens que considerar, dizia, ao observares o comportamento do dito animal, que, diga-se, está-se positivamente nas tintas para tudo isso, tens que considerar que, dizia, que, apesar do dito animal não ter o discernimento que possuis nessa tua qualidade, o que é um facto inquestionável, tens de considerar dizia, que, é um facto que este, animal bem entendido, reage, de facto, em função daquilo, ou de “alguma coisa”, a que tu chamas, e bem, um universal, seja este, como já disse, qualificado e situado como bem entenderes, e, dado que o animal, que desconhece, reage, às coisas, é porque algo está nas coisas, “isso” de que falamos, caso contrário, o animal, que não faz a mínima ideia do que é “isso”, não o faria, reagiria quero dizer, às coisas - caso contrário terás que considerar, pelo menos, a existência de singularidades universais na “mente” do animal, pois se não é às coisas que o animal reage algo teria que estar, nessa forma, na sua mente.

Julgava-te um pragmático, de qualquer forma, admiro a profundidade, mas parece-me coxo na mesma, embora tenha melhorado.

Hm, nasci em campo de ourique se ajuda, mas podes considerar um cheiro, um som, um simples olhar, são igualmente marcas elementares; e um cheiro é um cheiro, nas, das coisas.

Parece-me melhor.

Sim, afinal os animais não têm “zona mesopotâmica”, pelo menos que me lembre ou saiba, talvez o porco que é assim rosadinho, não sei, onde queria chegar, meu caro, é que esses universais, de que se fala, esse tipo especial de universais, bem entendido, são os elementos (e)feitos do jogo, da composição, e, como bem sabes, embora estejam ligados aos corpos que os vão carregando, ou nestes surjam, e apenas aí o possam fazer, têm, porém, uma existência universal, aqui e ali, dentro e fora da série, embora seja dentro desta, na minha opinião, que estão como peixe na água.

A ver, e quanto ao problema do acto acidental ou contingente?

Bom, brincas com coisas sérias, responder-te-ei como o posso fazer neste momento: fomentado na série - sem mais adiantar – tendo o seu ocasional corolário no desencadear-se que sai fora do tempo e da série, mas sabes, toda esta questão da “zona mesopotâmica” resolveu-se rapidamente em espirais de fumo azul que volteiam, distendidas, numa lenta ascensão rumo ao vazio, digamos apenas que, nesse sentido, do acto acidental, bem entendido, teriam sido dois dias e duas noites naquele lugar que, assim, se teriam resolvido sem resultados desse movimento maior, enfim, talvez na próxima.

Não percebo nada, é muito hermético.

É, bem sei.
“Alguma natureza é móvel ou mutável, porque pode carecer de alguma perfeição que lhe possa pertencer; logo, o termo do movimento pode começar e, desse modo, ser feito … “

D. Scoto ; Tratado do Princípio Primeiro – ed. 70 (trad. Mário Santiago Carvalho).

10 de dezembro de 2010

Um “contacto” à flor da pele.

Chega-nos uma angústia na face física da impossibilidade. O “encontro” do corpo de razão, físico, com o corpo de sentimento, imaterial, vice-versa; seja qual for o objecto o paradoxo mantém-se da própria divisão. Daí toda a irracionalidade, e os jogos, e a dança, a tragédia, o drama, enfim, a matéria do que nos apela, nós, o outro, (tu afinal). Este “combate” entre a materialidade do corpo e a imaterialidade do sentimento é a necessária condição de limitação da matéria, é própria produção da matéria, mais, é a própria matéria que, limitada, flui – é, realmente, o instante da impossibilidade das palavras, qualquer coisa que nos move à novidade, à dor, ao progresso das construções fechadas, o mais acabado dos mecanismos culturais dos diques e dos labirintos, das condutas, um oriente no ocidente. Este “reencontro” em corpo de luz é a imagem das delícias do regresso a uma “linguagem” sem observador onde todos os olhos se retiram. Esta utopia do amor suspende-se na impossibilidade que tira, dos seus rubores, a marca do progresso, da inovação. Um sonho do corpo implantado em doce recordação da luminosa reunião, vislumbre do momento da matéria, primordial implantação do instante da memória que vivemos, (como que de trás para a frente, ou vice versa), reflectido em angústia e como fora uma primeira pedra que é o instante da “separação” fundado como veículo da imagem, a imaginação. Sublimado momento da “violência”, uma saudade de nada. Bem real (no entanto) na sua força, civilizacional até. Inventamo-nos à razão dos corpos o excedente signo do mais poderoso dos mecanismos, afinal, como poderíamos viver sem amor, sem esta pluralidade. Todo o encontro assim carrega o nome de nós, seja um salto, um transporte, um combate … e um encontro assim é o poderoso íman que fundamenta todas as revoluções e avanços desta pluralidade que atinge as suas mais violentas convulsões da “arte” da decisão particular acabada, completa. No fundo é sempre esta busca, o encontrar-nos no segredo da noite, dos corpos da luz, em silêncio.
Como tardasse a uniforme adjectivação
Do peso
De qualquer coisa
Num dinamitado processo
Ao acaso da manhã
Nas sombras donde pudesse nascer
Um rio, semente dos acasos,
Das ligeiras maneiras
(prenúncio das marés vivas)
Das multidões desarvoradas
Que correm
Num esmagamento infalível
Aos ferros cruzados
Em queda,
Cantos do pormenor.
Dissera:
O adquirir da posse caminhara os lassos recantos do dia.
Subira o clamor das hostes.
Retirara-se. Surgisse.
Como morrera o amor.
E como pesa esta carne.
Como queima.
Como sobem as palavras.
Os represados rios duma vida.
E ainda é noite.
Como aprendi a despertá-la.
Ao activo das manhãs.
Que distribui uma certa lucidez.
(E não cai).
E esta vida dos muros.
E aquela inquietação…
Arde a fronteira
E nunca pára o território
Nas voltas em chama
Da noite ao preencher
De um novo vazio
Ao olhar sobre as casas.
Quem participa das abandonadas luzes.
Das linguagens duma exaltação das chamas.
Da súbita ausência, do permanecer.
Como vira o olhar do animal trespassado
Grito calado, em chama.
“Ah! A razão, a gravidade, o domínio das paixões, toda esta maquinação infernal que se chama reflexão, todos os privilégios pomposos do homem, quão caro custaram!”

F. Nietzsche: A Genealogia da Moral – Guimarães ed.
A cadência do desastre
E o tempo das plantações
Sejam os mesmos lugares
Os mesmos caminhos
As mesmas gastas vozes
Da silenciosa resposta
E como é doce
(Como sabiam os antigos).
Tudo igual à chegada.
Estas palavras, os olhos, teus que me agarram.
E de um extremo ao outro o mesmo frémito.
As cadências de uma multidão no encalço do relevo, dos novos lugares.
Como fora um reencontro dos lugares.
Nos espelhos de uma superfície fria.
Tudo igual à chegada, os olhos, teus que me agarram.
De um a outro o mesmo, grato.
Como toda a presença mecânica.
A fixação, a delicadeza.
Mais sombras, nunca satisfeito.
Sempre a mesma paisagem
Transportes de um mesmo espaço
O percorrer de um olhar fechado
(Como se perfilara de um certo espaço)
No espaço de um mesmo afecto.
Como fora uma barreira de matéria.
Revelara-se em tempo
De rompante
A ágil consolação
Do cair de todos os cultos
Em útil manifestação de alegria.
O colorir das vias
As suculentas mãos
O sangue em relevo
A nossa presença
Os vastos campos
A miséria de um mar frio.

9 de dezembro de 2010

“O tempo em pedaços no tempo”*.

(Uma imobilidade que trespassa).

Um após outro os objectos abrem-se e fecham-se ao atirar dos indícios do combate.
O reconhecimento significa uma elevação. O início. A exclusiva instauração do campo de batalha. Os “corpos” atiram-se apenas num instante suspenso em momentânea anulação do campo e o imediato recair constrange o “movimento” inicial.
É como acordar após o momento da paixão irreflectida e olhar em volta, ou um rosto altivo que fecha-se em linha escrita na face a marcar as dispostas combinações da matéria. É o momento da consciência. A intrusão do “campo grave” que é condição da consideração extensa, o marcar de uma direcção, a imposição de um jogo.
A consideração metódica do atingir da figura inscrita em campo, da posse, é o mecanismo da partição e o primeiro seccionar desta direcção possibilita a contagem. A quantidade. É como a marcação da dança em necessário preâmbulo do apontar sólido.
Isto implica uma mutação no “objecto”, um deslocamento do objecto, sua qualificação, uma instauração do sentido, da justificação, a função das genéticas condições da gravitação, da força. O tempo, que sentido em suspenso num instante se anulara, refundara, é, agora, “reconsiderado” num seccionado percurso na direcção do objecto e em função do oposto campo grave da queda, do sentido. Já não se trata, aqui, do tempo original suspenso, ou do seu momento, mas do tempo grave, que faz a sua aparição como que a acenar as bandeiras do desafio. A “direcção” inicial do “instante” é deslocada na direcção do desafio, da posse do objecto que é, assim, qualificado, transformado. O próprio campo. É um desejo (transmutado) de inscrição em campo, um reconhecimento pela posse. Este reconhecimento é a transformação do campo em função do sucesso, ou não, no desafio que é proposto da imagem transposta em campo no objecto, ou seja, já não na figura mas por meio desta. O instante do “desejo puro” que suspende-se em marcação tem como resultado, neste processo, neste após seccionado, a fixação condicionante do sujeito e do objecto. Função desta força maior que é a do campo grave, do reconhecimento. Poucos lhe resistem para criar novos mundos.

*Título de um dos capítulos de “O homem sem qualidades” de R. Musil.
Os corpos, perfilados firmamentos das imagens fixas dos recifes, marcam-se do olhar que ressente a estranheza da posição, manifestam-se. Um dia regressarei a casa, (seja lá isso onde for).
Quantas mais fúrias
Na soleira das casas
Saio na dor de um olhar
Retirado num desejo
Em "vitórias" da razão.
Caíra a manhã em pedaços
sobre a pedra dividida,
um recomeçar dos passeios,
a imagem velha,
um qualquer lugar,
as promessas de um dia passado
por entre as lentas multidões
e quase tudo o que conta
do ar rarefeito,
nada fica
sobre a pedra dividida,
depois, um recomeçar da imagem,
um qualquer lugar passado,
nada fica,
guarda-se apenas.

8 de dezembro de 2010

A ligeira indicação do ouvido
Escutara um potencial
De aproveitamento acústico
À passagem de uma seda viva
Busca do mais leve indício na imagem
Entre o olhar e o som
(Órgão da condição estética)
Um relevo do ar
Em espaço da respiração
Por séries de uma presença ímpar
E colunas de porcelana
Na cor perto
Da soma de um par de mãos frio.
(Occipital) a vi, no crânio de uma liga em pedaços, de som.

4 de dezembro de 2010

“Solidão: os crentes disputam com Deus, os descrentes, então, aprendem por fim a conhecê-lo. Não há por detrás disto nenhuma necessidade. Este mundo não é mais do que um ensaio entre muitos. Deus oferece soluções parciais, são os homens criadores, contradizem-se, o mundo constitui a partir daí um total relativo que não corresponde a nenhuma solução.”

R. Musil ; O homem sem qualidades – (da tradução francesa)