10 de dezembro de 2010

Sempre a mesma paisagem
Transportes de um mesmo espaço
O percorrer de um olhar fechado
(Como se perfilara de um certo espaço)
No espaço de um mesmo afecto.
Como fora uma barreira de matéria.
Revelara-se em tempo
De rompante
A ágil consolação
Do cair de todos os cultos
Em útil manifestação de alegria.
O colorir das vias
As suculentas mãos
O sangue em relevo
A nossa presença
Os vastos campos
A miséria de um mar frio.

9 de dezembro de 2010

“O tempo em pedaços no tempo”*.

(Uma imobilidade que trespassa).

Um após outro os objectos abrem-se e fecham-se ao atirar dos indícios do combate.
O reconhecimento significa uma elevação. O início. A exclusiva instauração do campo de batalha. Os “corpos” atiram-se apenas num instante suspenso em momentânea anulação do campo e o imediato recair constrange o “movimento” inicial.
É como acordar após o momento da paixão irreflectida e olhar em volta, ou um rosto altivo que fecha-se em linha escrita na face a marcar as dispostas combinações da matéria. É o momento da consciência. A intrusão do “campo grave” que é condição da consideração extensa, o marcar de uma direcção, a imposição de um jogo.
A consideração metódica do atingir da figura inscrita em campo, da posse, é o mecanismo da partição e o primeiro seccionar desta direcção possibilita a contagem. A quantidade. É como a marcação da dança em necessário preâmbulo do apontar sólido.
Isto implica uma mutação no “objecto”, um deslocamento do objecto, sua qualificação, uma instauração do sentido, da justificação, a função das genéticas condições da gravitação, da força. O tempo, que sentido em suspenso num instante se anulara, refundara, é, agora, “reconsiderado” num seccionado percurso na direcção do objecto e em função do oposto campo grave da queda, do sentido. Já não se trata, aqui, do tempo original suspenso, ou do seu momento, mas do tempo grave, que faz a sua aparição como que a acenar as bandeiras do desafio. A “direcção” inicial do “instante” é deslocada na direcção do desafio, da posse do objecto que é, assim, qualificado, transformado. O próprio campo. É um desejo (transmutado) de inscrição em campo, um reconhecimento pela posse. Este reconhecimento é a transformação do campo em função do sucesso, ou não, no desafio que é proposto da imagem transposta em campo no objecto, ou seja, já não na figura mas por meio desta. O instante do “desejo puro” que suspende-se em marcação tem como resultado, neste processo, neste após seccionado, a fixação condicionante do sujeito e do objecto. Função desta força maior que é a do campo grave, do reconhecimento. Poucos lhe resistem para criar novos mundos.

*Título de um dos capítulos de “O homem sem qualidades” de R. Musil.
Os corpos, perfilados firmamentos das imagens fixas dos recifes, marcam-se do olhar que ressente a estranheza da posição, manifestam-se. Um dia regressarei a casa, (seja lá isso onde for).
Quantas mais fúrias
Na soleira das casas
Saio na dor de um olhar
Retirado num desejo
Em "vitórias" da razão.
Caíra a manhã em pedaços
sobre a pedra dividida,
um recomeçar dos passeios,
a imagem velha,
um qualquer lugar,
as promessas de um dia passado
por entre as lentas multidões
e quase tudo o que conta
do ar rarefeito,
nada fica
sobre a pedra dividida,
depois, um recomeçar da imagem,
um qualquer lugar passado,
nada fica,
guarda-se apenas.

8 de dezembro de 2010

A ligeira indicação do ouvido
Escutara um potencial
De aproveitamento acústico
À passagem de uma seda viva
Busca do mais leve indício na imagem
Entre o olhar e o som
(Órgão da condição estética)
Um relevo do ar
Em espaço da respiração
Por séries de uma presença ímpar
E colunas de porcelana
Na cor perto
Da soma de um par de mãos frio.
(Occipital) a vi, no crânio de uma liga em pedaços, de som.

4 de dezembro de 2010

“Solidão: os crentes disputam com Deus, os descrentes, então, aprendem por fim a conhecê-lo. Não há por detrás disto nenhuma necessidade. Este mundo não é mais do que um ensaio entre muitos. Deus oferece soluções parciais, são os homens criadores, contradizem-se, o mundo constitui a partir daí um total relativo que não corresponde a nenhuma solução.”

R. Musil ; O homem sem qualidades – (da tradução francesa)

16 de novembro de 2010

Algumas (breves) considerações da espécie.

Apresentava-se, tal causa, como uma remota memória do processo, inconveniente, inconsciente, selectiva, dirigia, (esse processo), como fora uma implantação deixada, algo de mais complexo do que simples prazer, (uma primeira configuração sugeriria que este (princípio do) prazer estaria estreitamente ligado à reprodução da espécie, como fora a cenoura da reprodução da espécie, nada disto é novo), pensou, assim, consideraria um outro tipo reprodução que não a da espécie e aqui começava a configurar-se um outro género de fim, que seria o mesmo, pensou de novo; “o tempo do sentido é reflexo do tempo sentido, o tempo do sentido é “egoísta”; assim sendo, procuraria as razões daquela “inconsciência” na “economia do processo”, perguntava-se, poderia o completo despertar de uma tal consciência económica do processo pôr em risco a continuidade da espécie? Sem dúvida disse-se, poderia fazer essa observação, por exemplo, no índice de natalidade dos ditos países mais desenvolvidos, noutra certa auto-regulação do “egoísmo”, e essa seria uma forma de chegar a tal complexidade do prazer pois tratar-se-ia, aí no “conforto”, de uma continuação do mesmo, prazer em conforto, poderia então definir esta “transição” como um sinal da progressiva consciencialização da causa final no processo? Sim, sem dúvida, numa primeira abordagem pelo menos, pensava, esta inconsciência da memória terá, com toda a certeza, um sentido mais fundo do que o que acima foi posto, convenhamos; o fim é; disse-se, e talvez esta tomada de consciência que transita de um a outro em transformação do mesmo não atinja, não possa atingir, o fundo “inconsciente” da memória que se busca, (pois como poderia o corpo fazer-se consciente na sua “totalidade” afinal, sendo que, consciência é, essencialmente, um fenómeno “parcial”), pensou, enfim, poderia então talvez falar de uma gradual tomada de consciência, “biológica”, digamos assim, do fim, ou da razão? Sim, com certeza, e assim sendo, uma completa tomada de consciência desse tipo seria o fim da espécie, uma espécie de vitória sobre a morte, paradoxal vitória de um certo instinto de sobrevivência que, ao triunfar sobre a morte, culminaria em morte, em fim.

De todas as maneiras que dirigisse apenas lhe surgia um mesmo grande sono, um mesmo fim, e diga-se, apenas considerava esses exercícios de eternidade como se fossem a forma do desvelar das naturezas possíveis, antes, um parto de luz que, esgotados os pontos de vista, apenas deixara a certeza de uma razão, de um fim pensou, era esta a não imagem do desvelar, clara e distinta, o considerar na partida de todas as revelações cromáticas, quer dizer, assentes os pés, avançaria seguro em todos os mistérios da cor considerou, tudo o que era sentido partia de uma falta e recobria-se a cada passada de uma inacabada composição fictícia, como fora a matriz de um modelo que infinitamente se revelasse em possibilidade do reencontro, um paradoxal funcionamento que sempre se regressava no seu lugar, no paradoxo; o modelo “desculpa-se” com um fim para sucessivamente se revelar em contratempo desse fim, e isto é importante; pensou, observara-o repetidamente, (suspensa chamada, continuar descontínuo, permanecer distinto), como fora o canto do apelo da reunião que perfura em potência na direcção de um fim enquanto em acto sempre torna a revelar-se em separação, em fim, digamos assim, numa produção descontínua, extensa, a cultura tinha encontrado grandes palavras para esse processo do paradoxo, ancestral carne que dita a intuição das fontes que jorram, a vida a cada instante, em sonho do reencontro, nesta terra dos corpos, a impressão funda, de um espaço aberto na carne, por revelada máscara, doce, ao encontrar-nos no segredo da noite, e os corpos apenas de luz, em silêncio.

Era a isso que chamava uma grande palavra, âmago, condição que chamava, tentava explicar-se, seria, esse “estado”, como que a condição de todos os estados, e o instante seria, então, como a “identidade de todos os estados”, (e que duraria esse instante apenas, pois a continuação desse “estado” dos estados é o fim), como fossem os corpos tomados fora numa única condição indistinta, pensou, existia uma direcção por querer, extensa, importava fazer uma entrada, ao apagar dessa distância suceder-se-ia o próprio desse sentir, dessa separação, toda a questão lhe fazia o sentido assim, janelas para fora do mundo, um ficar na face da semelhança, da distinção, como se dessa entrada se esgotassem as distâncias e apenas ficasse o “mistério” em face de si, respirou-se, suspendia-se a presença, ficava, assim, como o próprio da imagem, o mesmo da semelhança, era, o momento onde se tomam “corpos” na imobilidade e se faz luz nos mundos que assim se iluminam, todo o (verdadeiro) canto nasce desse estado “onírico” que decide a busca, apela, encontra, reconhece, um silêncio nessa face, grandes as palavras que lhe chegam, que lhe fazem por chegar.

Nunca se tratara de querer, apenas uma urgência, não havia uma escolha, antes, uma certa “fatalidade”, o estar “fora”, nessa face onde faz-se luz, é grande palavra, e o fazer-se nos olhos, num corpo, são instantes radicais do mundo que rejubila de transformação, afirmou, não haveria mais respostas nesse segundo, o abraço da semelhança apenas deixa o silêncio, concluiu.

Fez-se em linha desse lugar,
o maior dos movimentos da fuga,
pois quando no peito apenas fica,
o que é certeza e avança,
solta-se o acidental dizer,
em acto de acerto,
às circunvoluções dos mundos,
e nesse instante,
acorda o torpor dos tempos adormecidos,
pois quantas vezes,
da vertical direcção desse acto,
atinge-se o coração do movimento,
que inicia todas as revoluções elementares,
nas partes desse mundo,
e em direcção que alcança,
nessa fronteira,
estendida num instante,
as suspensas terras do sonho,
acordado, ao cimento das unidades breves.