6 de abril de 2010

“... ele fez de si mesmo um mundo inteiro. Porque, como a metafísica reflectida ensina que “homo intelligendo fit omnia”, assim esta metafísica fantasiada demonstra que “homo non intelligendo fit omnia”, e talvez isto seja dito com mais verdade do que aquilo, porque o homem ao entender, abre a sua mente e compreende essas coisas mas, ao não entender, ele faz de si essas coisas e, ao transformar-se nelas, vem a sê-lo...”

G. Vico ; Ciência Nova – Gulbenkian.
Conhece a tua solidão.

A minha mão de glória brinca sobre os fios da virgem
A noite é uma lira melodiosa
A minha música queima a sombra das árvores mortais
A minha música queima de acordo com a água
Trago a minha chama ao coração do gelo
Cristal silencioso da minha solidão
Liberta a minha sombra o meu reflexo morria com as folhagens
Estou só
Junto a um mar de leite onde nadam peixes fraternos
O meu sangue perpétuo conhece a sua profundeza

Para amar é preciso ser dois
O amor é uma grande solidão
Estrela de mar a mulher é água meditativa

Prisioneiro dos lugares das planícies múltiplas
Fugi em mim o mundo
Belo espaço restaurado grandeza, natureza
O mundo lugar comum
Lugar humano
Cada um seu centro íntimo igual a um ou outro
Do semelhante ao mesmo vamos e vimos
Tal como em nós mesmos em fim da demanda
A verdade banha-nos todos nus na nossa nudez radiante
Mil vezes mais só de olhar-se nos olhos
E de reencontrar-se no fundo do poço
Poços de ciência intima

Sou tão vasto de estar só
Crer-me-ia múltiplo

Mulher o teu corpo é uma lua rubra
A tua noite um gelado branco
O teu corpo de todos os dias é uma manhã
Mas tu és todas as chuvas do mar
E por isso te amo
Amando a noite.

Stanislas Rodanski – Anthologie de la poésie française du XX siécle – (tradução livre)
Grito que agarra
se numa porém
sólida tendência
em reflexo tornado
insone e conforme
ao tropel das manifestações ;
ou então espalhado em dia,
como balde de rotunda.
Ô têmpora

acordas de fogo,
num dia chegara,
aos arrancados pedaços,
das vidas em volta,
e uma luz segura,
por toda a terra,
estende o assentar,
dos olhos regresso,
sequer o fogo,
e tal pensar, adeus.

*
Desfalecera em tal terra,
as costas na terra,
desabrigado aos trovões
da luz, as passagens,
das erigidas autoridades em campo.

5 de abril de 2010

No principio era apenas fogo,
rasgava o céu um troar das feras,
curtos movimentos,
o mais circular leve indício.

A observação do calor fora o corpo em anunciações da primavera, técnicas, rodas, expulsões num alongar dos tecidos, a fundo ... o sangue activo.

Numa expansão (do corpo) em espanto a regra das mais notáveis contradições idas, fases e leituras de horizonte, aberto, numa posição.
“ Uma distinção filosófica emerge gradualmente à consciência : não há um momento determinado na história antes do qual ela não é reconhecida e depois do qual surge como algo perfeitamente claro (...) Scoto distingue entre conceber confusamente e conceber o confuso, e como qualquer conceito obscuro inclui necessariamente algo mais do que o seu objecto próprio, naquilo que é obscuramente concebido, há sempre uma concepção de algo confuso ...”

C.S. Peirce (sobre Leibniz/Scoto e a “distinção”) ; Semiótica –Ed. Perspectiva.
Os olhos de intensidade
uníssona circulam
raios do sangue
imaculado solfejo
de todas as manifestações
afim do fazer canto
e acesos murmúrios
no aparente da progressão
da fluída sombra
que persiste o esquecimento.

O aberto mar roda do percurso espalhado em soma nas palavras do acto investido a sentir espaços cair da luz.

31 de março de 2010

Dissemelhança.

Um rosto – "sósia".

Uma porta que se abre,
um movimento,
os suspensos olhos num
segundo, o outro lado
do olhar, a surpresa atenção
mantém do rosto, os fixos
olhos nesse instante.

Suspensa continuação do movimento maquinal. O efeito é tido no contratempo que deixa-se ficar balanceado (simultaneamente) na continuação. Daí o efeito de tensão muscular. Representa o contraponto.

O baixar de pálpebras,
a comissura, levemente.

A significação da memória encontra o seu fim aberto no movimento suspenso da semelhança extraordinária. Esta produção da memória inicial, assim sobreposta, é racionalização da “liberdade”, da imagem, como um “afinar das causas”. É como afecto da sobreposta imagem que liberta do afecto e da imagem, numa sobreposição.

E não é que esta distância esteja propriamente no tempo mas antes na produção e vivência do desdobramento da imagem, na sua repetição, no momento, na suspensão.

Já não é memória, mas criação de memória.

- Peço desculpa, estava distraído.
- Olá. Recordo-me. Confesso-me curiosa.
- Sim, é de facto uma semelhança extraordinária, um conhecimento vago no entanto, não distante ou longínquo, apenas vago.
- De qualquer forma.
- Sim, não.
- (Sorriso).

29 de março de 2010

As ruas descidas,
as rodas num preparado,
o fazer retardado,
em sangue da carnificina,
num rápido reflexo,
do mundo em ocultação,
(este gesto do convir vertical
em horizontal campo de dor preenchido),
num prazer da soterrada,
(arte) inquieta sobre o vulcão,
a figura, ideal,
do dado num gesto,
(estudado),
a visto e rápido,
em marcar do mundo,
numa cruzada voz,
da reacção em mascarada,

*

baluartes num murmúrio
ao atingir da sombra
em claro/escuro,
cinzelados, golpes,
sincopadamente,
um movimento da memória,
cega e confiante,
o magnético ondular,
da fermentação animal,
e as cores circuladas,
como o sentir
que de todo constrange
em primeiro e flui,
nuvem estacionada,
na maturação
dum assentamento da forma,
um fluir assim,
que a deslocação das vidas
esquecem, adiantam.
suspendera em delícia,
o distraído instante surpreso,
- o corpo está nesse instante –
que esquece por muito tempo,
as passagens do campo em baixo ;

e cai todo um corpo
nas animadas silhuetas
de como um suave e carnal
desassossego nas esquecidas manhãs,
do lento movimento
aos olhos numa visão
dos secretos corpos deixados
(fora/dentro a luz que quase toca)
do corpo rugido (fulvo)
que consagra o absoluto silêncio
e toca e liquefaz a pele
ao estar a franja duma luz suave
que fica o saciado contacto
num estar, numa dimensão de estar