11 de agosto de 2008

.quando no quarto branco ...

Quando no quarto branco da charité
acordei de manhã,
e ouvi cantar o melro
entendi muitas coisas.

Havia muito que a noite não temia
por saber que nada mais me faltaria
se eu próprio me faltava.

E nesse instante cheguei a alegrar-me
até com o canto dos melros
após a minha morte.

B.Brecht
Lamuerte#2

Quando a noite que chega não traz a morte que fica na mentira do dia
E vêm de nós então a bela face que assim rompe em desafio à manhã
Fica meu amor cedo nessa hora em que te venho para morrer em paz.

Completo, enfim...

6 de agosto de 2008

Horizons.

A alma
devassa
nos espasmos

o espanto

em euforia
do grito
dor

e

sustém
o tornar
morrer

o poder

não
querer

sonho
mordaz
no horizonte
da permanência

por

luar
de outrora

ou

estulta
matéria
dos sonhos.
(n)a impressão do dizer que retira
gera culpa o dizer a impressão
e esta é falta que retira intenção
da impressão, sistemática, que atira -

As máscaras revelam-se na face do silêncio
por invasões da contenção do deserto claro
e os confrontos alongam-se
premeditados
no fumo subtil do invasor dos caminhos.

Há uma certa vertigem contida,
um poderoso pulsar.
Palavras

Ténues

limpas

odoríferas

as palavras solenizam a ridícula obsessão que é o seu absurdo

esgotado.

31 de julho de 2008

Tutuguri - O Rito do Sol Negro.

Em baixo

por baixo da inclinação amarga
e cruelmente desesperada do coração
abre se o círculo das seis cruzes

três em baixo
encrustados na terra mãe

desencrustados do abraço imundo
da mãe que baba se.

A terra do carbono negro
é a única locação húmida
nesta fenda escarpada.

O rito é o novo que o sol passa por sete pontos antes de eclodir no orifício da terra.

E existem seis homens,
um por cada sol,
e um sétimo homem
que é o sol completamente
crú,

vestido de negro e carne vermelha.

Este sétimo homem
é um cavalo,

um cavalo guiado por um homem.

E é o cavalo
o sol,

não o homem.

Sobre o rasgar dum tambor
e de uma longa fraudulenta música

estranha

os seis homens
que deitados estavam
girados a terra rasa

jorram sucessivamente como girassóis,
não propriamente sóis
mas solos giratórios

dos lótus de água,

e a cada jorrar
corresponde o gongo cada vez mais sombrio
e reentrado
do tambor

até que de repente vê se chegar a galope
de vertiginosa velocidade

o último sol,

o primeiro homem,

cavalo negro
com homem completamente nu

e virgem
sobre si

que tendo saltado avançam seguindo meandros circulares

e o cavalo de carne em sangue

atira se

a voltear sem parar
ao cume do (seu) rochedo

até que os seis homens terminem de marcar

(completamente)

as seis cruzes.

O Tom maior do Rito
é
precisamente

A Abolição Da Cruz.

E tendo terminado de girar

enxertam
as cruzes da terra

e o homem nu
a cavalo

arvora
imenso ferro

a cavalo

que temperou na incisão do (seu) sangue.


Antonin Artaud ; Pour en finir avec le jugement de dieu ; 1948 ; Oeuvres.

29 de julho de 2008

O tempo
tarde
à deriva

passa

convés
das perpetradas
cores

e a noite

em cascata
de viés
fica

no ressalto

dia
grafo,

escala

corte s
nó s
polido s
da s
gravosa s
garra s

da distância,

soturna s
trova s

de cisão.

28 de julho de 2008

A quem...


A posição de uma atitude religiosa que resultaria da clara consciência e que excluiria senão a forma extática da religião pelo menos a sua forma mística difere profundamente das tentativas de fusão que preocupam espíritos preocupados com atribuir à fraqueza posições religiosas dadas no mundo presente.

Aqueles que no mundo religioso se assustam com a discordância de sentimentos, que procuram o vínculo das diferentes disciplinas e querem resolutamente negar o que opõe ao prelado romano o sanyasin, ou ao pastor kirkegaardiano o sufi, acabam por emascular – de ambos os lados – o que já procede de um compromisso da ordem intima com a (ordem) das coisas.

O espírito mais afastado da virilidade necessária para unir a violência e a consciência é o da “síntese”.

O cuidado em fazer a soma do que revelaram possibilidades religiosas separadas e de fazer, do conteúdo que lhes é comum, o principio de uma vida humana elevada à universalidade parece inatacável apesar dos seus resultados sem sabor, mas, para quem a vida humana é uma experiência a levar o mais longe possível, a soma universal é, necessariamente, a da sensibilidade religiosa no tempo.

A síntese é o mais claramente isto que revela a necessidade de ligar decididamente este mundo ao que a sensibilidade religiosa é na sua soma universal no tempo.

Esta clara revelação da decadência de todo o mundo religioso vivo (acusado nestas formas sintéticas que abandonam os limites estritos de uma tradição) não era dado na medida em que as manifestações arcaicas do sentimento religioso nos apareciam independentemente da sua significação, como nos hieróglifos dos quais só a decifração formal foi possível ; mas se esta significação é dada e se, em particular, a conduta do sacrifício, a menos clara mas a mais divina e a mais comum, cessa de nos estar fechada, a totalidade da experiência humana é nos devolvida.

E se nos elevamos pessoalmente aos mais altos graus da consciência clara, já não está mais em nós a coisa subjugada mas o soberano do qual a presença no mundo, dos pés à cabeça, da animalidade à ciência e do utensílio arcaico ao non-sense da poesia, é o da universalidade humana.

Soberania designa o movimento de violência livre e interiormente lancinante que anima a totalidade, resolve se em lágrimas, em êxtase e em eclosões de riso e revela o impossível no riso no êxtase ou nas lágrimas.

Mas o impossível assim revelado não é mais uma posição deslizante, é a soberana consciência de si, que, precisamente, não se desvia mais de si.


A quem a vida humana
é uma experiência a levar
o mais longe possível ...

Não quis exprimir o meu pensamento
mas ajudar-te a resgatar da indistinção
o que pensas de ti mesmo ...

Não diferes de mim mais do que
a tua perna direita da esquerda,
mas o que nos une é
O sono da razão – que produz monstros.

Georges Bataille ; "Théorie de la Religion".

24 de julho de 2008

Buraco sem palavras.

A tristeza biliosa do vazio
do buraco onde não há nada
não sopra o nada
não há nada

e à volta do buraco
no ponto onde as palavras retiram se

buraco sem palavras

sílaba sem sons.

Antonin Artaud