14 de julho de 2008

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Pude dizer que o mundo animal é o da imanência e do imediato ; é que este mundo, que nos está fechado, está o na medida em que não podemos discernir nele um poder de se transcender. Uma tal verdade é negativa e não podemos sem dúvida estabelecê-la absolutamente. Podemos imaginar no animal um embrião deste poder mas não podemos discerni-lo claramente. Se o estudo destas disposições embrionárias pode ser feito ele não se liberta das perspectivas que anulam o olhar da animalidade imanente que permanece inevitável para nós. É nos limites do humano somente que aparece a transcendência das coisas em relação à consciência (ou da consciência em relação às coisas). A transcendência, com efeito, nada é se for embrionária, se esta não é constituída como o são os sólidos, quer dizer, imutavelmente em certas condições dadas. De facto, somos incapazes de fundar nos sobre coagulações instáveis e devemos limitar nos a observar a animalidade, de fora, sob o dia da ausência de transcendência. Inevitavelmente, perante os nossos olhos, o animal está no mundo como a água na água.

O animal têm diversas condutas segundo as diversas situações. Estas condutas são os pontos de partida de distinções possíveis, mas a distinção pediria a transcendência do objecto que se tornou distinto. A diversidade das condutas animais não estabelece distinção consciente entre as diversas situações. Os animais que não comem um semelhante da mesma espécie não têm tão pouco o poder de o reconhecer como tal, se bem que, uma nova situação onde a conduta normal não seja desencadeada, possa ser suficiente para levantar um obstáculo sem que haja mesmo consciência de o ter levantado. Não podemos dizer de um lobo que come outro que viola a lei pretendendo que, vulgarmente, os lobos não se comem entre eles. Ele não viola esta lei, simplesmente encontrou-se em circunstâncias onde esta já não está mais de face. Existe, apesar disto, para o lobo, continuidade do mundo e dele mesmo. Defronte dele produzem-se aparições apelativas ou angustiantes ; outras aparições não respondem nem a indivíduos da mesma espécie, nem a alimentos, nem a nada de apelativo ou repugnante, consequentemente, isto do qual se trata não têm sentido, ou têm no como signo de outra coisa. Nada vêm romper uma continuidade onde o próprio medo nada anuncia que possa ser distinguido antes de ser morto. Mesmo a luta de rivalidade é ainda uma convulsão onde as inevitáveis respostas aos estímulos soltam sombras inconsistentes. Se o animal que deitou por terra o seu rival não toma a morte do outro como o faz um homem ostentando a conduta do triunfo é porque o seu rival não tinha rompido uma continuidade que a sua morte não restabelece. Esta continuidade não tinha sido posta em causa, mas, a identidade do desejo de dois seres opô-los-á em combate mortal. A apatia que traduz o olhar do animal após o combate é o signo de uma existência essencialmente igual ao mundo onde esta se move como a água no seio das águas.

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Georges Bataille ; “Théorie de la Religion".