12 de novembro de 2009

(Sem mais de momento ...)

O trabalhador e o utensílio.

Duma maneira geral, o mundo das coisas é sentido como uma “queda”. Gera a alienação daquele que o criou. É um principio fundamental : subordinar não é unicamente modificar o elemento subordinado mas ser – propriamente – modificado. O utensílio muda ao mesmo tempo a natureza e o homem : sujeita a natureza ao homem que o fabrica e utiliza mas liga o homem à natureza sujeita. A natureza torna-se propriedade do homem mas cessa de lhe ser imanente. É sua na condição de lhe estar fechada. Se ele coloca o mundo sob o seu poder é na medida em que esquece que é ele – propriamente – o mundo : nega o mundo mas é ele mesmo que é negado. Tudo o que está em meu poder anuncia que reduzi o que me é semelhante a não mais existir para o seu próprio fim mas para uma finalidade que lhe é estranha. A finalidade de uma charrua é estranha à realidade que a constitui e com mais razão ainda, a finalidade de um grão de cevada ou de um bezerro. Se eu comesse a cevada ou o bezerro de uma forma animal estes seriam igualmente desviados do seu próprio fim mas seriam subitamente destruídos como cevada e como bezerro. Não seriam, a cevada e o bezerro, em qualquer momento, as “coisas” que são desde o princípio. O grão de centeio é unidade de produção agrícola e o “boi” é uma cabeça da manada, e aquele que cultiva o centeio é um lavrador e aquele que cria o boi é um criador de gado. Ora, no momento em que cultiva, a finalidade do lavrador não é, realmente, a sua própria finalidade ; no momento em que cria, a finalidade do criador de gado não é, realmente, a sua própria finalidade. O produto agrícola, a manada, são “coisas”, e o lavrador ou o criador de gado, no momento em que trabalham, são também coisas. Tudo isto é estranho à imensidão imanente onde não existem separação nem limites. Na medida em que é imensidão imanente, em que é ser, em que é “do” mundo, o homem é um estranho a si mesmo. O lavrador não é um homem : é a charrua daquele que come o pão. No limite, o acto daquele que come é já o trabalho dos campos ao qual fornece a energia.

Georges Bataille – Théorie de la Religion.

Este “culminar” do esboço “Batailliano” do tema do útil utensílio faz me lembrar, não sei porquê, a história do malandro do caím e do pobre do abel que, segundo li recentemente numa curta história de contracapa que não conhecia, continuaria, por tudo quanto é lado a sua cantoria. Não me espanta, no entanto, pois é sabido, desde tempos imemoriais, que quanto mais decomposto – ou descomposto conforme a “sensibilidade” semi-o-lógica de cada um – o nome mais assobia, melodia.