10 de dezembro de 2010

Como tardasse a uniforme adjectivação
Do peso
De qualquer coisa
Num dinamitado processo
Ao acaso da manhã
Nas sombras donde pudesse nascer
Um rio, semente dos acasos,
Das ligeiras maneiras
(prenúncio das marés vivas)
Das multidões desarvoradas
Que correm
Num esmagamento infalível
Aos ferros cruzados
Em queda,
Cantos do pormenor.
Dissera:
O adquirir da posse caminhara os lassos recantos do dia.
Subira o clamor das hostes.
Retirara-se. Surgisse.
Como morrera o amor.
E como pesa esta carne.
Como queima.
Como sobem as palavras.
Os represados rios duma vida.
E ainda é noite.
Como aprendi a despertá-la.
Ao activo das manhãs.
Que distribui uma certa lucidez.
(E não cai).
E esta vida dos muros.
E aquela inquietação…
Arde a fronteira
E nunca pára o território
Nas voltas em chama
Da noite ao preencher
De um novo vazio
Ao olhar sobre as casas.
Quem participa das abandonadas luzes.
Das linguagens duma exaltação das chamas.
Da súbita ausência, do permanecer.
Como vira o olhar do animal trespassado
Grito calado, em chama.
“Ah! A razão, a gravidade, o domínio das paixões, toda esta maquinação infernal que se chama reflexão, todos os privilégios pomposos do homem, quão caro custaram!”

F. Nietzsche: A Genealogia da Moral – Guimarães ed.
A cadência do desastre
E o tempo das plantações
Sejam os mesmos lugares
Os mesmos caminhos
As mesmas gastas vozes
Da silenciosa resposta
E como é doce
(Como sabiam os antigos).
Tudo igual à chegada.
Estas palavras, os olhos, teus que me agarram.
E de um extremo ao outro o mesmo frémito.
As cadências de uma multidão no encalço do relevo, dos novos lugares.
Como fora um reencontro dos lugares.
Nos espelhos de uma superfície fria.
Tudo igual à chegada, os olhos, teus que me agarram.
De um a outro o mesmo, grato.
Como toda a presença mecânica.
A fixação, a delicadeza.
Mais sombras, nunca satisfeito.
Sempre a mesma paisagem
Transportes de um mesmo espaço
O percorrer de um olhar fechado
(Como se perfilara de um certo espaço)
No espaço de um mesmo afecto.
Como fora uma barreira de matéria.
Revelara-se em tempo
De rompante
A ágil consolação
Do cair de todos os cultos
Em útil manifestação de alegria.
O colorir das vias
As suculentas mãos
O sangue em relevo
A nossa presença
Os vastos campos
A miséria de um mar frio.

9 de dezembro de 2010

“O tempo em pedaços no tempo”*.

(Uma imobilidade que trespassa).

Um após outro os objectos abrem-se e fecham-se ao atirar dos indícios do combate.
O reconhecimento significa uma elevação. O início. A exclusiva instauração do campo de batalha. Os “corpos” atiram-se apenas num instante suspenso em momentânea anulação do campo e o imediato recair constrange o “movimento” inicial.
É como acordar após o momento da paixão irreflectida e olhar em volta, ou um rosto altivo que fecha-se em linha escrita na face a marcar as dispostas combinações da matéria. É o momento da consciência. A intrusão do “campo grave” que é condição da consideração extensa, o marcar de uma direcção, a imposição de um jogo.
A consideração metódica do atingir da figura inscrita em campo, da posse, é o mecanismo da partição e o primeiro seccionar desta direcção possibilita a contagem. A quantidade. É como a marcação da dança em necessário preâmbulo do apontar sólido.
Isto implica uma mutação no “objecto”, um deslocamento do objecto, sua qualificação, uma instauração do sentido, da justificação, a função das genéticas condições da gravitação, da força. O tempo, que sentido em suspenso num instante se anulara, refundara, é, agora, “reconsiderado” num seccionado percurso na direcção do objecto e em função do oposto campo grave da queda, do sentido. Já não se trata, aqui, do tempo original suspenso, ou do seu momento, mas do tempo grave, que faz a sua aparição como que a acenar as bandeiras do desafio. A “direcção” inicial do “instante” é deslocada na direcção do desafio, da posse do objecto que é, assim, qualificado, transformado. O próprio campo. É um desejo (transmutado) de inscrição em campo, um reconhecimento pela posse. Este reconhecimento é a transformação do campo em função do sucesso, ou não, no desafio que é proposto da imagem transposta em campo no objecto, ou seja, já não na figura mas por meio desta. O instante do “desejo puro” que suspende-se em marcação tem como resultado, neste processo, neste após seccionado, a fixação condicionante do sujeito e do objecto. Função desta força maior que é a do campo grave, do reconhecimento. Poucos lhe resistem para criar novos mundos.

*Título de um dos capítulos de “O homem sem qualidades” de R. Musil.