23 de maio de 2008

Revolta contra a poesia.

Nunca escrevemos senão com sentido na incarnação da alma mas ela já estava feita, e por nós próprios, quando entrámos na poesia.

O poeta que escreve dirige-se ao verbo e o verbo às suas leis.
Está no inconsciente do poeta crer automaticamente nestas leis. Ele crê-se livre e não o é.

Há qualquer coisa à volta da sua cabeça, à volta das orelhas do seu pensamento. Algo germina na sua nuca onde ele já estava quando começou. Ele é o filho das suas obras, talvez, mas as suas obras não são dele pois o que era dele próprio na sua poesia não foi ele que o apresentou mas antes este inconsciente produtor da vida que o designou para seu poeta e que ele não havia designado, ele, que nunca foi regulado para ele.

Não quero ser o poeta do meu poeta, (deste eu que me quis escolher poeta), mas antes em rebelião contra o meu e o seu. E recordo-me da rebelião antiga contra as formas que vinham sobre mim.

É pela revolta contra o eu e o seja que me desembaracei de todas as maléficas incarnações do verbo que apenas foram para o homem um compromisso de cobardia e ilusão e não sei que fornicação abjecta entre a cobardia e a ilusão. Não quero um verbo vindo de não sei qual libido astral que foi toda consciente nas formações do meu desejo em mim.

Há nas formas do verbo humano não sei que operação de rapacidade, (qual auto devorar de rapacidade), onde o poeta, limitando-se ao objecto, se vê devorado por este objecto.
Um crime pesa sobre o verbo feito carne e o crime é o de o ter admitido. A libido é um pensamento de animais e são todos estes animais que um dia se emudeceram em homens.

O verbo produzido pelos homens é a ideia de um invertido esvanecido pelos reflexos animais das coisas, e que, pelo martírio do tempo e das coisas, esqueceu que o inventámos.
O invertido é aquele que come o seu eu e quer que o seu eu o alimente. Procura em si sua mãe e quer possui-la para ele. O crime primitivo do incesto é o inimigo da poesia e o assassino da sua imaculada poesia.

Não quero comer o meu poema mas quero dar o meu coração ao poema e o que quer que seja o meu coração ao poema, o meu coração é o que não é meu. Dar o seu ao seu poema é arriscar também ser violado por ele. E se sou virgem para o meu poema ele deve continuar virgem para mim.

Eu sou este poeta esquecido que se viu um dia cair na matéria e a matéria não me comerá, a mim.

Não quero estes reflexos envelhecidos consequência de um antigo incesto vindo de uma ignorância animal da lei virgem da vida. O eu e o seu são estados catastróficos do ser onde o vivente se deixa aprisionar pelas formas que percebe dele. Amar o seu eu (mim) é amar um morto e a lei da virgem é o infinito. O produtor inconsciente de nós próprios é aquele antigo copulador que se entregou às mais baixas magias e que extraiu uma magia da infâmia que consiste em misturar se a si próprio sobre si próprio, sem fim, até fazer sair um verbo do cadáver. A libido é a definição deste desejo de cadáver e o homem em queda é um criminoso invertido.

Eu sou este primitivo descontente do horror inexpiável das coisas. Não quero reproduzir-me nas coisas mas quero antes que as coisas se produzam por mim. Não quero uma ideia de mim no meu poema e não quero rever-me, a mim.

O meu coração é esta rosa eterna vinda da força mágica da inicial cruz. Aquele que se pôs na cruz nele mesmo e por ele mesmo não regressou, nunca, sobre ele mesmo. Nunca, pois este ele próprio pelo qual se sacrificou Ele próprio, também este ele o deu à vida após tê-lo forçado em si próprio a tornar-se ser de sua própria vida.

Apenas quero ser este poeta a nunca que se sacrificou na Cabala de si mesmo à concepção imaculada das coisas.

Antonin Artaud 1945