2 de junho de 2008

A múmia entranhada.

(Artaud.)

Totem à porta, olho morto
regressado neste cadáver,
este cadáver esfolado que lava
o horrível silêncio do teu corpo.

O ouro que sobe, o veemente
silêncio deitado sobre o teu corpo,
a árvore que carregas ainda,
e este morto que marcha em frente.

Vê como rodopiam os fusos
nas fibras do coração escarlate
e este grande coração onde o céu eclode
enquanto o ouro te imerge os ossos -

É duro campo de fundo o panorama
que se revela enquanto marchas
e a eternidade ultrapassa-te
pois não podes perder o ponto.


Invocação à múmia


Estas narinas de pele e osso
por onde começam as trevas
do absoluto, a pintura dos lábios
que cerras como uma cortina.

E este ouro que te brilha em sonho
e a vida que te despoja dos ossos,
e as flores deste olhar falso
junto por onde regressas à luz

Múmia, e estas mãos de fuso
para te revolver as entranhas,
estas mãos onde a sombra lamentável
toma a figura de um pássaro.

Tudo isto de onde se orna a morte
em estupor dum rito aleatório,
este borbulhar de sombras, e o ouro
onde nadam as tuas entranhas negras.

É por aí que te torno,
pela estrada calcinada das veias,
e o teu ouro é como a minha pena
e o pior é o mais sob testemunho.


Antonin Artaud - « La momie attachée et autre textes autour du Surrealisme ».