11 de outubro de 2012


(…)

“Tem a palavra o Sr. Ministro do ruído de cascos”.

O Sr. Ministro do Ruído de Cascos – Alguns dos nossos colegas supõem que me furto a explicações. Não vimos nós, no decurso da sessão anterior, o Sr. Carvão exigir ao governo que exponha as razões que o levaram a comprar uma manada de elefantes brancos sem tromba? Estou pronto a discutir este assunto logo que a assembleia o deseje. Se o não manifestei na altura, digo-o agora, foi porque temia que palavras imprudentes pudessem ser proferidas daquele lado (na extrema esquerda) da assembleia. (Fortes aplausos ao centro, à direita e em diversas bancadas à esquerda).

A Menina Lanterna – E as empresas que subsidiou para utilizarem terra barrenta na produção de força motriz?

O Sr. Presidente – Peço-lhe que deixe o Sr. Ministro do ruído de cascos explicar-se.

Uma voz na extrema direita – Você é um abominável tratante.

O Sr. Ministro do Ruído de Cascos - … Não se chegou ao ponto de invocar os espirros dos fogões para condenar a colocação de carris nos relvados de Bagatela? Tais processos são justamente dignos das orelhas surdas pelas flores de alcachofra e que expelem cornetas com fitinhas. Não é possível continuar sem bússola cantante.

O Sr. Presidente do Conselho – O governo pede o voto de confiança. Que a vossa sogra se ponha a dormir.

(…)

Benjamin Péret – “Morte aos chuis e ao campo de honra” - &etc (trad. Vitor Silva Tavares)

Apresentaram-me a verdadeira forma do alabastro e as suas secretas palavras - espalhadas como um todo - por sobre a mesa dos auspícios, soavam como a providência salivar dos tópicos do consenso, a crítica, entretanto, cantava o permanecer dos anos caídos sobre as potestades vazias, e os cães a salivar.

E a temperança do som mal viver dos dois lados da formatação técnica era qualquer coisa que não é sensato dizer. Calem-se as pontes. Que se fechem as grutas. As terras. A razão que passa nas ondas não tem cor de mar nem curvas de entidade. Que se pare por aqui.

10 de outubro de 2012


A lânguida coloração
dos campos
em cegueira colérica,
combina, aos saltos,
a manhã do verbo
numa visitação tardia,
do desolado apólogo.

Denotado retiro das fibras.

Lentamente a chuva cai o tempo das eras anunciadas,
as labirínticas linhas líquidas da matéria caem visceralmente
a noite em silêncio, num rumor que pairasse o desvelar.

esta época
do despedaçar de um povo
não é feita
para a poesia
nem para esse tipo de coisas:
quando nos preparamos
para
escrever
é
como se
escrevêssemos
sobre a outra face
do participar
do sofrimento
e eis porque
os meus poemas
são cheios de azedume
(no fundo, o que se pode mudar?)
e sobretudo
tão
raros


Nikos Engonòpoulos – “Eleusis” – (trad. livre da trad. francesa)

9 de outubro de 2012


A Cigarra e a formiga.

Num dia de inverno uma cigarra esfomeada pediu a uma Formiga um pouco da comida que esta tinha armazenado.
- O quê? – disse a Formiga – Não trataste de armazenar alguma comida para ti , em vez de estares sempre a cantar?
- Assim fiz – respondeu a Cigarra -, assim fiz; mas as tuas amigas entraram por minha casa adentro e levaram-ma toda.

Ambrose Bierce – Aesopus Emendatus – Antígona (trad. Fernando Gonçalves)

Feliz da lua que em canto passado grita os fundos da rouquidão tranquila.

O nome em silêncio falado.

Um travo de sol desponta na manhã o soletrar do desconcerto aos descobertos espelhos.

Desdobram, atravessam, a nauseante película do cerco.
O inesgotável reservatório das combinações.
As alinhadas danças dos resíduos.
As grosseiras linhas tomadas na ostentação cega da maquinal vaidade.

O insurgir da decepção nas manhãs em que sopra, sem se saber de onde, um miraculoso advento de cidade, faz trazer assim, alinhado, o que vai-se a fazer em dourado atrofio da demência. Socorrem-se as longas danças do horror e da devastação.

E não se trata (aqui) de entoar os solfejos da anarquia.

Nas longas manhãs das fontes e das facções, os rebentos em assimetria, fazem fútil vampirismo dos sonetos cravados na aspiração.

8 de outubro de 2012


Assola essa ausência. Já não lembro. Chegado em espanto o torpor (me) terminará na indiferença da voz que cala o corpo de vez. Um fundo de beleza. Instantes, avenidas, multidões. O olhar destacado floresce a maneira do pensar um mundo. Basta olhar a voz no silêncio para que se ponha sentido.

A carícia de passagem.
O residual de todo o discurso.

A verdadeira história é feita de curtas palavras. De silêncio. De sobrevivência. De uma crueldade ancestral. De rápidas imagens reveladas na plenitude de uma intensidade dramática.

Cantos de ilusão.
Marcados na carne.
Em velada intenção.
Do positivo animal.

6 de outubro de 2012


Uma paz. Uma guerra.
Ao estender (mais) remoto.
Pertence. A noite.
E o desencanto em que traz.
(A personagem).
Apaziguada ao amanhecer que encontra.
O esgotado corpo cadente.
Na luz dos olhos apagados.
Por mensagem do leve incentivo.

Solene e breve mente.

Poderia aspergir todo um elenco. Um preparado de alienação.
O imenso caudal das microscópicas imagens que fluísse as vias corporais do engenho.
E da arte. Corresse a ilusão e tudo recomeçasse.

Pois pode ser o que dizia-se da imagem da adoração.
Perto instante a que não chegassem palavras para fazer em nós pedaços dele.

Furiosas marés revoltas.
Tomai-me em paz.
No convém.
Do agradecer embevecido.
E reverente mente.
Retirado em face desse “dom”.