8 de julho de 2008

O fundamento de um pensamento é o pensamento de um outro, o pensamento é o tijolo cimentado num muro. É um simulacro de pensamento se, no regresso que faz sobre si mesmo, o ser que pensa vê um tijolo livre e não o preço que lhe custa esta aparência de liberdade:

Ele não vê os terrenos vagos e os amontoamentos de detritos aos quais uma vaidade (sombreada) o abandona com o seu tijolo.

O trabalho do pedreiro que alinha é o mais necessário. Assim, os tijolos vizinhos, num livro, não devem ser menos visíveis que o novo tijolo, que é o livro. O que é proposto ao leitor, com efeito, não pode ser um elemento mas o conjunto onde ele se insere: é toda a articulação e edifício humanos, que não pode ser somente um amontoado de ruínas mas consciência de si.

Num sentido, a reunião ilimitada é impossível. É precisa coragem e obstinação para não perder o fôlego. Tudo se empenha a largar a presa, que é o movimento aberto e impessoal do pensamento, para a sombra da opinião isolada. Bem entendido, a opinião isolada é também o meio mais rápido para revelar o que a articulação é profundamente; o impossível. Mas esta apenas têm este sentido profundo na condição de não ser consciente.

Esta impotência define um cume da possibilidade ou, pelo menos, a consciência da impossibilidade abre a consciência a tudo o que lhe é possível reflectir. Neste lugar de semelhança, onde a violência castiga ao limite do que escapa à coesão, aquele que reflecte na coesão apercebe-se de que não é mais doravante lugar para si. (...)

G.Bataille. "Theorie de la Religion."

O tesouro perdido.

O Tesouro perdido no fundo do mar és tu

(e seria idiota enviar megulhadores)

Os tesouros no fundo do mar são feitos para sonhar
e não é preciso tocá-los
e isto quer dizer
que ninguém te pode atingir
mas que sem te atingir podemos fazer-nos lua,
extrair o mar, e fitar-te.

O sopro no bordo das estacas como uma máscara
és outra vez tu,
e isto diz a tua eterna virtualidade
no plano daquilo a que chamamos

... este mundo.

(carta de Artaud a Breton)

7 de julho de 2008

Artaud - O corpo humano.

O teatro é a liberdade

a liberdade a liberdade
a liberdade
sem tríade.

A inteligência é um idiota.
O génio é um idiota.
O espírito é um idiota.
A ciência não é,

ela não entra no saber,
o saber não entra na consciência,
a consciência não entra na existência,
a existência não entra no corpo.

Portanto, onde não haja coisa que sinta se como ser
( e, ao diabo, o ser é o finito )
não há senão corpo.

E porque não ser e um corpo ?
Mas se é ainda mais finito que o finito !

O teatro era uma estranha mecânica naturalista que foi instaurada para fazer calar tudo o que se imagina ser, porque isso não existe.

Passos de corpo em corpo, nem sílaba nem palavra, o gesto, atitude, som, grito, suspiro, insuflação profunda que inspira ao homem o esquecimento, esquecimento do que quer que seja que pudesse ser à volta do corpo simples.

O corpo humano.

Mas quem disse que era um ser e que existia ?
Vive.
Isto não lhe chega ?

Ganharei o nada antes de ti, deus,
dizia o corpo ao espírito, porque vivo.

E o que é um corpo ?
Chamamos corpo a tudo o que é feito sobre o modelo do homem,
que é um corpo.

E que jamais disse ou acreditou que este corpo era o finito, era o finito,
cessou já de viver,
de avançar,
até onde irá,
não de certeza na eternidade mas no tempo ilimitado.

E isto que nunca o disse.
E isto quem nunca disse até onde iria ?
Ninguém.
Até agora ninguém. O corpo humano nunca está acabado.

É ele que fala,
ele que bate,
que marcha,
que vive.

Onde está o espírito,
(se) nunca visto,
excepto para o vos fazer crer,
a vós, os corpos ?

Ele está defronte dos corpos,
à sua volta,
como uma besta,
uma doença.

É assim que o corpo é um estado ilimitado que necessita que o preservemos.
Que preservemos o seu infinito.

E o teatro foi feito para isto,
para pôr o corpo em estado de acção
activo
eficaz
efectivo

Para devolver ao corpo o seu registo
orgânico inteiro
no dinamismo e na harmonia
e para não fazer esquecer ao corpo
que é dinamite em actividade.

Isto sabe se num mundo em que o corpo humano ainda só serve:
... para comer
para dormir,
chiar,
fornicar.

Quando o corpo humano se completou no coito disse tudo pois o coito da sexualidade apenas foi feito para fazer esquecer ao corpo pelo erotismo de um orgasmo que é uma bomba.
Um torpedo enamorado

perante o qual a bomba atómica de Bikini não têm mais, e não é mais, que a ciência e a consistência
de um velho talismã regressado.

O verdadeiro teatro data de antes de Ésquilo
e em Ésquilo ele já está encrustado,
morto numa realidade que se diz fabulosa,
onde todo o idiota da história,
ciência, rito, inteligência,
espírito, família,
sociedade,
deus, génese, natividade,
está entalado, ali, em pleno hymen, a sua membrana dita bárbara pronta a ser copulada por toda a horda da humanidade.

Máquina de força eréctil de fogo,
o corpo primeiro nada conhece,
nem família, nem sociedade,
não pai, nem mãe,
nem génese assombrada
pelos esbirros das instituições
das entidades ...
ele nada conhece.
Ele erege punhos,
pés,
a língua,
os dentes.
É um baralhar
de esqueletos bárbaros
sem fim nem começo,
um pavoroso estilhaçar ardente,
e isto, é o teatro da crueldade,
que lhe importam as paixões contadas,
que importa o amor a quem tem a morte nos dentes,
a morte nos dentes.

É um teatro sem espectadores e sem cenas, unicamente com actores.
Actores que não têm frio nos olhos.
Quando tiver encontrado dez ou quinze,
então
inaugurarei
o teatro da crueldade.



Artaud, Antonin; (Le corps humain); textes écrits en 1947 ; Oeuvres

3 de julho de 2008

A Turbina.

Logo
a rodo s
o arremeter musical
liberto
de estado
antes
a qualquer regresso

marca lugar imponente

como queda ao invés digital
o iniciar laminado
do movimento que passa

fora

junta (se) qual raia aglutinante
propagada pelo caminho da natureza inversa
ao como das cores contadas
que chama
do assédio que atinge ali ao instalar
do fim a suspensão
como num leito pontual que recorta
os novos movimentos
cegos deste que desliza

o alinhar do s panorama s

o que é como entra® o mover
o estender
as circunvoluções do poder

postas
como mecânica natural da piedade celeste que deixa se
de tudo
numa toda intenção
ou num outro natural ponto que deve

(ser)

enterrado
vivo
engelhado
e carcomido

(ancestral casca vazia)

e depois de novo um mover que toma se daí
desta cólera que dá se
do estupor em termos
sentido de nada
um movimento simples.

30 de junho de 2008

Pudendo. dali sair por entretecido soslaio ao revir do acontecer o rasto resplandecente que fica do que é guardado à assolada matéria do pormenor redundante.


Lique. Fé.

- assim tão ali proclamado s

Vizir.

- daqui ao escarcéu do ídolo

Cofia.

- expectante que proclama se

Arqui.

- liga diz se em tri

Rigoletto.

- e sim, munido de palavras, ilha, mas também o digo, barco.



Uma temporada passara naquela ocasião e depois do tanto repetir o desejo deixa se atencioso o que nesse dia fere o corpo do enlace duvidoso, deparara se o toque do desgaste ou os aluviões do silêncio feito.



Languescente de vária composição ou um grado doutro de ribeiro.


Ribeira de. brava.

- mais do que apresenta se é isto o que se pensa de imediato –

Madre de. um reconocer lento.

- e atente se bem ao que diz se como que num rompante de solfejo e adiante, e porque não pois que logo o que custa é, tão solícito e tão até que ponto –

Tudo isto n.uma estela agreste.

- ou ainda mais o que doravante transita como numa pose fechada, ou como quem caracteriza o que pudera, ou até que sim –

Rosto alvitre.

- e à chegada às palavras continuam as palavras e mais o que dá se a entender de tudo isto -

Rosto cravado.

- como espigão da terra tomado em distender do sopro no momento ausente ou por aí -

Ou um atavio inquieto.

- como cego atiramento do soberbo reagir ou o pulsar por quê, e porque não -

Uma percorrida cisão.

- isto ao ponto do atingir termo pior ou que seja, ou do mais que seja, como tempo pesado na produção do instante esvaziado ou assim estendido, como que numa tela de cores ao vazio, num processo de híbrido integral -

Cadências.

- manta de retalhos diversos caídos pelo alvorecer nas cercanias cilindradas, gastas assim de um limpo, cendrado, batimento -

Solfejo misto. signo espalhado.

- depois o batimento, o holocausto, um espalhamento único que toma o fazer cardíaco por relato de circunstância fácil, alçado, que têm se do outeiro só ou (n)um admirável mundo velho de circunstância maquinal, a significar inverso duplo que é tanto tema de condição ao espalhar, rio ou desmembrar a ti, depois, ao outro, vale ou cravado na rocha como fora civilidade do instante, descartado, que tanto promete nos essa escolha, que faz se –

De solfejo.

- acima já não solve o exemplo da natureza estrita e isto, revisto, ou seja o que diz se nisto, nem assim se provê de tanto, ou, portanto, encanto o não querer saber -


Soliloq. Como imensa festa do que é feito um pensamento ou mundo óbvio é o que diz se assim, antes, assino o verbo assim, e o assim é como se toma a besta versátil do largo reparo, como surgir o fácil do fazer entre o soliquoquio.


O sol antes do revirar
o silêncio
visto de recanto

vigora.

24 de junho de 2008

Voga ponto esta marca que deixa aberto o caminho ao som do magma borbulhar ; é baixo o canto da viscosidade, o soletrado torpor que fica, tirado, no pensamento.

como que mundo que passa
que não dá se do passar do mundo

Como fixar da cólera ainda assim não faz se, diria, que um outro só deixa deste mover o sair, ao sabor impossível que insinua se e, já só fixo como o constatar se por vezes no tédio faz se, por vezes, o que perfila, qual miragem ao caminho árido e daí a marcação, que vêm, daí, ao longínquo pormenor.

que tira se do vazio
ilustre
e o lazer
fica
tirado ao encima
dos sítios na fantástica vizinhança

Os ecos ficam destes encontros ligeiros e soltam se do disforme fascínio logo que o som desce, leve, junto a soar um certo verde, a favor, como numa apologia do esmagamento infame.

diz se mais do que importa
e já não antes
que quando se chega
começa se então o fazer

e que isso sabe se

noção murmurada da distante espacialidade tirada do que diz se, o cruzar as linhas de choque, ao desenrolar que desmarca se, em falas de sulcos alinhados, matérias de logo fazer.

que põe
dispõe
luta livre de sedimentos
alinhados
frios

de fazer essa redundância
esse rasto de fazer.

21 de junho de 2008

Palavra de sol cita.

O sol
cita de cor
a magnânima
palavra
a preceito

de comércio
outro

livre

a rios
de consenso
geral.

Traçado

Traço
sangue
marcado
solo
jorra
torrente
ao lugar
ressalto
corpo
em maré.

Pont.

Meio
ponte,
entre
margens
aquieto
esquece

e,

(n) noite,
alcinada,
busca
do. sítio
indizível.

16 de junho de 2008

Exaustivo discorrer.

Faz se
mover
até surgir
algo
que surja
e tome
como
rudimento
rodado
que
procura
no correr
o que
sem saber
o extasia
e poderá
gerar-se
na imagem
que procura
abrir
de porta
que efectiva
tema
linha
cor
discorrer
aqui
que têm cor
e discorre
a pergunta
que discorre
até
discorrer

e digo aqui,
já,
não
que discorre
antes
corrido
que corre
e assim
passa

do que discorre
ao que corre
ou à pergunta
pelo que corre
aqui
discorrido

digo
como diz
correcção
que discorre
em antecipação
da correria,
o que,
obviamente,
tem
tema
prévio
discorrer,
que diz corre r,
corre,
que corre
como
interrogação

E é e diz corrido
e é diz corrido
e discorrido
e diz se correr
e diz-se o que corre
de. cor,
que não corre.

mas

corre
coral
não so.
mente
corre

e aqui
têm se
o mesmo
que marca
veículo
do que quer
que nos dá condição
do
diz correr,
verbo
correr
que é
cor
que dá conta
corrida
na marcação
d.um que corre
assinado
do. que corre,
corre-se

o que deixa a pergunta do discorrer assim e como dizer o diz correr assim ou quem começa e deixa se e gela o pensar dos defuntos corpos que vão se em fogos do sopro informe, lentas leves linhas ondas que esguiam, passam se (n)um invisível fluído.


Faz leve o beijo.
A Luva que inflama.
repete :
corte faz grito.

fulgo ante si p(r)a
revir o entre tecer,

desfazer
que dá-se
e não

foi
num alcance

o poder
fazer

trato
ºk
por fim

abre ;

passa os passares do grito
que traz (n) vão incólume

e fica tido
t®ifo
no esquisso do falar.

12 de junho de 2008

A Artaud - Variações a propósito de um tema (de lewis carrol)

Não se trata aqui de uma tradução mas sim de uma adaptação - variação a propósito do tema - de um poema donde o meu pensamento se regulou para se juntar ao autor em espírito e assim se viu, a si mesmo e por si mesmo, não propriamente no seio deste poema mas no da poesia.

Lewis Carrol viu o seu eu como num espelho mas não chegou na realidade a crer neste eu , e quis, então, viajar no espelho afim de destruir o espectro do eu além de si mesmo, antes de o destruir no seu próprio corpo, pois era ao mesmo tempo em si mesmo que expurgava o duplo deste eu.

Há neste poema um estado determinativo dos estados - por onde passa a palavra – que é matéria antes de florir no pensamento e operações de alquimia salivar, se assim o podemos dizer, e que todo o poeta, do fundo da sua garganta faz subir à palavra - (música, frase, variação do tempo interior) - antes de regurgitar matéria para o leitor.

Prova-o esta estranha comparação marcada perante um trecho de caça grossa epicurista que, para melhor apurar o seu paladar, retém um bocado por seis que degusta, e o poeta, (sonhando um ar melódico supremo), afim de aumentar a degustação interna lança se assim sobre os seus limites.

Este poema onde uma frase musical tipo parece diluir-se golpe a golpe em fumos é o poema de um insensato que um dia entrou no ser e acabou por abandoná-lo, é o esforço de todos os insensatos em ser e em se deter a uma realidade ela mesma fugidia e condenada e à qual não se detém senão em função da sua própria perversidade.

Degustamos minuciosamente o pensamento e a linguagem mas durante este tempo a nossa alma foge-nos e ela era esta realidade, ela mesma, perante a qual nos julgámos marcados. E o nosso eu celeste, o anjo de cabelo ruço de Carrol, lutava sobre a terra com seu espectro traiçoeiramente mutificado em demónio.

Pois Lewis Carrol é na realidade um espírito de cólera da reivindicação e do furor. Uma espécie de emissor nascido da percepção e da linguagem e se isto não se pode crer ao lê-lo é porque ninguém teve jamais a ideia de espreitar com ele por trás do espelho interno onde o seu espírito, contraído e em sofrimento, não se pôde impedir de passar.

O epicurista que Lewis Carrol acusa deste pecado de perversidade consigo mesmo é ele mesmo, e o movimento irado a que toda a sua obra apela é contra o eu e as condições ordinárias do eu, ou seja, à noção temporal do nosso eu.

Fatigado e em sofrimento por qual pecado passou a vida a executar variações sobre este tema, mas, ler a obra de um poeta, é, antes de tudo, ler de viés. Pois toda a obra escrita é um espelho onde o texto escrito se funda perante o não escrito.

E o não escrito de Lewis Carrol é uma profunda, sábia, vertiginosa insatisfação.

As coisas, Lewis Carrol, não são de facto tudo o que são. E podemos sonhar sobre este tema e executar variações que sempre a ideia do eu perverso nos retorna como uma desafiadora regurgitação, quando encontraremos nós, enfim, este não eu onde nos vimos tais que nós mesmos, enfim, e puros, quer dizer, virgens, no fundo do espelho eterno.

O ar sonhado toda a vida por Lewis Carrol é o do seu eu melódico supremo, palavra certa do serafim soterrado por trás dos fantasmas assustadores das coisas e que um dia nos regressará,... mas quando ? Através de quais músicas, de que ar, num mundo que não têm mais o eixo de um ar eterno a dizer se, nem uma música imaterial e sobrenatural a repetir se.

*

Não amo a gazela rara
e não gosto de comer os pratos caros
pois os altos preços aproveitam
aos especuladores dos pobres lábios
e não quero ao fazer isto
mutar-me em açambarcador.

Pois vejo vir a mim com olho embolsado e negro
o meu filho à hora da saída da escola,
que tendo se batido contra quem e quê,
e não sabendo bem dizer porquê,
tenho a impressão de me ver
em batalha perante o meu espelho
contra o meu próprio desespero.

Mas quando vêm para melhor me conhecer
lançar-me-á fora o irritável senhor,
e,
assim que me ponho a tingir o cabelo
é que SUA GRAÇA intratável nota mudança
e a espécie admira.

E ela me ama enfim, estava seguro de que a minha tinta
de azul aviltado ou verde lodaçento
deixaria espesso traço visível a metade sobre os meus olhos
de um potente ruivo que me distingue melhor.

Antonin Artaud - Variations à propos d’un théme (d’aprés Lewis Carrol) ; 1943.