3 de outubro de 2017

Certo dia já lá vão uns anos estava eu sossegado e num local público a beber um café quando autenticamente do nada uma mulher lindíssima de vestido vermelho justo e sobriamente ousado era verão se aproximou de surpresa e disse:

Então, tudo bem?

Olhei-a surpreso e demoradamente era lindíssima e apesar de ter a certeza de não a conhecer lembrar-me-ia lá fui respondendo:

Sim, tudo bem, mas

Disse eu marcando bem as pausas numa tentativa vã de parecer casual, sofisticado.

Não me vais dizer que não te lembras de mim pois não?

Atirou-me a mulher lindíssima num tom jovial de sorriso aberto e franco que imediatamente desarmou a minha máscara digna e hesitei e tentei disfarçar a crescente impressão não muito acentuada de intranquilidade pois diga-se eu tinha a certeza de não conhecer aquela mulher lindíssima pois que até pelo próprio facto me lembraria dela como já disse mas por outro lado e não mentia ao pensá-lo na realidade fazia-me lembrar algo de muito vago e impreciso e no entanto familiar respondi então:

Bom, realmente, mas não, não estou a ver

Ora, sou eu.

Disse ao mesmo tempo que me dava uma cotovelada cúmplice e confesso que estava cada vez mais intrigado mas como não queria transparecê-lo o que fiz foi acender um cigarro em gestos pausados profundos e levemente meditativos como se estivesse num filme a representar um papel confiante e sofisticado e levemente e deixei passar alguns segundos marcados de um silêncio confiante e enigmático e respondi:

Eu?

A mulher lindíssima não se impressionou rigorosamente nada com a minha arte e de imediato respondeu:

Sim, eu, não precisas de fazer essas cenas, sou eu.

Mal tinha terminado de afirmar estas perturbadoras palavras deu-me uma palmada nas costas mas não daquele género de palmada que os gajos costumam dar quando estão inseguros ou com pressa mas sim uma palmada honesta nas costas e foi aí que comecei a sentir a minha dignidade seriamente ameaçada e afinal de contas até estava num local público e embora as pessoas não tivessem dado mostras de ter notado aquela familiaridade tão efusiva e eu também não tivesse reparado na reacção delas o que é facto é que reagi de uma forma um tanto ou quanto ríspida no limar do inusitado:

Olha lá, disse eu, mas por acaso andei contigo na escola, ou assim?

A mulher lindíssima nem pestanejou e de sorriso directo redarguiu:

Claro. Na escola de manhã, e à tarde à noite, ruelas e avenidas, casas brancas, povoadas de sabor, e a natureza também, brincadeiras.

Dito isto piscou-me o olho esquerdo lindíssimo e deu-me outra cotovelada desta vez mais carinhosa digamos cúmplice e fiquei como que estupefacto sem o estar pois embora por um lado as palavras que esta mulher lindíssima proferira me despertassem algumas imagens por outro despertariam em qualquer pessoa supunha mas a crescente familiaridade e confiança dela começavam a deixar-me desarmado e ela por seu turno talvez notando um indício de confusão em mim continuou:

E as cores vivas, os vermelhos, verdes luxuriantes, e azuis ultramarinos.

Entrevi então quase imediatamente a oportunidade de inverter a tendência quase humilhante do diálogo no instante e expressei-me num diletante ligeiro apertar dos lábios e linhas horizontais de testa:

Hm, estou a ver, e disse pausado, qual gauguin polinésio, ou um kandinski enquanto besta?

A mulher lindíssima nem me deixou continuar e atalhou como que repreendendo-me.

Ora, deixa-te lá dessas merdas que só te ficam é mal e ouve: os momentos desacelerados ao mais ínfimo da composição, as auras nocturnas, numa acutilante atenção, das matérias esvanecidas.

Cala-te, exclamei quase assustado.

De facto era demais e já no limiar do frenesim tentei reflectir em mim o que tais tão esotéricas revelações dispostas perante os meus ouvidos olhos e corpo todo significariam e quem era esta mulher lindíssima e o que a tinha ali trazido e enquanto desta maneira cogitava já quase completamente deposto ela recuou dois passos sempre a olhar-me e a sorrir e terna porém altiva levou a mão ao peito lindíssimo e exclamou:

Uh-Há!

Após a qual exclamação desapareceu como tinha aparecido, misteriosamente.

Fiquei para morrer ou talvez não tanto assim mas fiquei com certeza completamente despojado e não sei quantos mais minutos segundos fiquei para ali naquele local público a reflectir intensamente na significação de tão misterioso episódio o que era indubitável era que primeiro toda a minha distensa pose se tinha eclipsado num segundo e segundo que tinha efectivamente ficado num estado positivamente quase lastimável mas agarrei-me no entanto ou fiz por isso e acendi um cigarro de olhos fitos no horizonte possível daquele espaço público limitado e cheguei então rapidamente à única conclusão lógica e racional possível.

Disse comigo:

Obviamente esta mulher lindíssima de vestido vermelho justo e sobriamente ousado é verão que tão drasticamente neste meio-dia destruiu os meus frágeis alicerces e derrubou-me do periclitante pedestal era o Al Pacino disfarçado de mulher lindíssima etc. mas o que me escapa é a razão pela qual o Al Pacino assim se apresentou ao meio-dia neste local público disfarçado de mulher lindíssima para abalar desta maneira tão radical todas as minhas convicções até aqui adquiridas.

Já passaram muitos anos desde esse singular encontro e a vida bem ou mal continuou os seus turnos mas ainda hoje quando a noite é fria e o tempo lá fora ruge e aterra eu pergunto-me a mim mesmo qual a profunda mensagem que quereria transmitir-me o Al Pacino naquele meio-dia disfarçado de mulher lindíssima de vestido vermelho e justo e sobriamente ousado que era verão .

2 de outubro de 2017


Dizer:

A visão das ilhas
Longínquas dos arquipélagos
Siderais em passeio
Nas avenidas castas de madeira
Velha e maresia
Em sazonais quanto baste.

Das itinerantes memórias dos animais ao mais ínfimo da continuada rotina do dia-a-dia num mais puro e simples do ascetismo empírico e natural e espontâneo pois apesar de tudo será uma boa páscoa interiorizada em quanta cor ou na ausência dela e mais propriamente na próxima visão da primavera mais profunda que fica adiada pois choverá de novo para uma temperatura mais subsequente não tendo o hábito de consultar os registos o que por si já é bastante agradável.

29 de setembro de 2017


Quarenta deliquescências de proveito deixam-me estas vanguardas na garganta qual simples nota dos tempos que corre o silencioso organismo em registo de fogo. Fluem, num sincopar de cadências, e os silêncios deixados num nada murmúrio fazem-se da passageira conquista do momento escrito, e é suficiente.

A eternidade ao alcance de uma linha parou, vista daqui de cima, para um qualquer exercício de terra e cor, que mantém-se, e a vida passa por todos os iludidos instantes nesta imagem sua cor, substância que fica, qual contraluz, ou complemento de terra.

Os sorrisos fazem soar os ciclos e os tambores até que por fim se faça derramar o sangue em silêncio (mais uma vez) e tudo acabe a tomar-se irrefletido nas palavras como simplesmente a memória ou um pensamento tornado inevitável.

Cânticos passados do olhar furtivo em silêncio e quando não…

A notação da serena impassibilidade, ler impossibilidade, em infalibilidade serena, como o recurso à anestesia ou a contrafação do imenso em absoluto, propriamente aquela âncora que se toma firme e presente faz, isto, para além de quaisquer cortinas em espanto ínfimo, e é, afinal, manobra de animal instinto qualquer da mutação loquaz numa sólida imprecisão dessa mesma ausência.

E garrota-me o intestino de aflição até que já nem consigo respirar de pudendos dilatados deste apontamento ao fim das palavras que terminantemente articuladas trazem consigo respectivamente um regalo da e para a vista e o porvir porventura que concerta os mais acérrimos defensores da pradaria naquilo a que se pode chamar a substância de um devir mais em prévia condição de alcance e portanto nesta determinada.

28 de setembro de 2017

O vitríolo

Nunca fez parte
Desta dissertação exterior
Ou dessa interior visita.

Como da glória inacabada e flutuante um dia de maravilha realce o quão sofrivelmente ao pormenor irrompe em tracejar sonoro o dilúvio das palavras num pulsar dos veios que pairam entre as multidões numa espécie de acontecer dos traços de cor visível sim soma do acontecer ínfimo a cada instante em gestos de prelúdio que sucedem nas partes a impressão das coisas feitas daquilo que a impressão das coisas deixa quando nelas não pensamos a cada palavra e a tempo de parar o tempo em sussurros de matéria ou naquela condição que fica ao acordar e ao adormecer também de ser e estar distante uma outra coisa de excesso e sugestão e viva certeza nas linhas corridas de um fluxo a irromper que parece a desordem da própria ordem encerrada ao amanhecer nas insonoras criptas da palavra acima de qualquer pertença ou qualquer coisa.

Ficaria assim justificada uma representação que assegurasse a substância económica das coisas e a dignidade das partes a contado e ainda a posse de uma natureza que será de todos em harmónica representação do contrato que reclama (mais do que assegura) as “sobrevivências” da espécie enquanto comunidade para que finalmente do nada se faça uma virtude em desaceleração como é visível pois oneroso não fosse o negócio de bom grado embarcaríamos dessas delícias numa representação tão profunda quanto a do elixir ou da suave e doce manifestação que convém carnal nos musicais compassos do repente que se calam até que por fim já não interessa se estão longe ou perto o que é o mesmo e um ser que será de todos ao nascer por mais uma combustão de prazer.

A carne impressa poderia ser o que a saudade deixa de num véu de imemorável.

Como no decurso de um outro instante
Absurdo e letárgico, os mananciais do som recobrem
De mal estendido a palavra loquaz
Em conveniência assim das fundações e das matérias sólidas
Como formas disto e civilizados efeitos
Aos labirintos do cordel num recomeço da boa palavra
Do pão e dos cabelos chegam
Qual som das ondulações em jovial representação
Enfim da recordação repousam
O díspar da cor que lapida de sugestão
E mistério nos restos de uma escrita em fundação do júbilo
Que acrescenta alguma coisa de soberbo
Aos sobranceiros montes
Da pastorícia ao amanhecer\numa bela palavra, ofegante.

25 de setembro de 2017


Duas observações.

a) da indumentária

Uma certa maneira e muitos hábitos por corrigir. Assim permaneça o tempo estival e húmido, esta reflexão será, cataclísmica de uma certa maneira, pois basta-se a si própria por derivação e desfaz-se de si no próprio da manifestação. Mais simplesmente nunca. E portanto, inconsolável dessa parte esclarece, a vertical onde está, o considerado dito obviamente no seu papel de indumentária precisa e reflexão, qual porquê desse e destes casos que, quase num esboço de resposta, assim ficariam ditos.

b) da sementeira

Gesto de correr as horizontais até ficar a rama ao fim dos rimances num ascendente que discorre e dissipa a substância por divisão e e dístico em benefício das colheitas e da luminosa visão ao luar.

O espiritual da coleção
Figura o mesmo da tendência
Dística e acrescenta
Ao reverberar dos braços
E das pernas
Um certo excesso de horror
Que por meio
Do magnetismo da escolha
Fundamenta em próprio
Aquilo que por qualquer maneira
Não poderia falhar.

22 de setembro de 2017


Diga lá então do que se alimenta a sua génese em linha que é tão praticamente uma labareda de montra ou o saltério do nosso descontentamento.

Como as nuvens em pijama
Ou o rubor necessário
Das matérias em posição
Calcanhar num corpo
De fazer sonhar
Assim desta ciência
Das condições logísticas e moleculares.

21 de setembro de 2017


Mãos sufocadas
E máquinas em contratempo
De superfícies
Finas, exóticas, matinais.

Venho então salientar que sim.
As sombras são uníssonas
Curvas na madeira recortada
A preto-e-branco-desejo*
Que minimamente murmuram
Nos palcos do arvoredo
O quanto baste dessa revolta
Tão despudoradamente anaximandra
Em certos dias
E em determinadas circunstâncias -
A saber, quando faz sol
Ou a máxima do dia é favorável
Representação do que diz-se
E nada tem de sexual
Antes pelo contrário.

*imagem das linguagens sofisticadas

19 de setembro de 2017

Terra, o parecer de uma caligrafia simétrica.

Confortavelmente acedemos aos túneis. A meio do caminho, a sugestão de uma linha, de um sincopar passível. Um qual não sentido que fica qual: cílio, âncora, rebento e safira. Sim, o substantivo é, por vezes, como que um estado de interlúdio musical, uma adjectivada mistura das belas condições, um tomar da tessitura cravejada, flamejante.

De ver os campos de amarelo
Antigo e janelas com fios de chuva
Tomados na passagem do reflexo
Em fontes de cintilações elétricas.

Qual matéria de fundo
Aos corpos assombrados
De uma espécie de proveito raro
E centelha de sombra chega
Aos umbrais recortados
De uma tinta branca –
Traços de tempo em sonoras.

O limite marca a semelhança a traço de falta e um aspecto profundo. Isso, num traço invisível. Depois, algo de inominável surge assim, significativo e raramente, e a cada contacto produz, os pedaços de movimento da matéria.

Fluidos, fruídos a cada volta nos corpos arrancados da intriga os rios nas suas margens sedimentadas. Informadas de sugestão e promessa. Fazem, os despedaçados corpos da comunhão, do acto canibal da conquista.

A ‘felicidade’ é este contínuo produzir de panoramas. Os actos numa direcção da festa, um sentido. Não é impunemente que se tocam os fundamentos da carne mas é em vão que se atiram os momentos esfacelados do silêncio e do fundo, emerge a tragédia, o absurdo de qualquer justificação. Como se da saciedade se soltasse, continuamente, o grito da violência, da selvajaria, numa representação que deixa o olhar em volta, sequioso de uma razão, de um sinal.

É por isso a comédia a mais natural das ligações ao espírito do canibalismo. O gesto de Baubo agarra e cessa, recomeça o vazio num verdadeiro ritual de verticalidade. O mundo é o que fica nos pomares e nos gestos replicados, e incomoda-nos pois a razão, que o absurdo da violência nos preenche de terror a passagem. E exigimos uma resposta, a parte, o sedimento, o depósito.

Mas esta construção não é possível afinal - derruba-se. Qual essência de um pensamento a essência de uma prática contínua povoada de detritos e renovada dos detritos em sementeiras de inovação e sorrisos muito antigos.

Um trabalho de representação e de produção de detritos.

Corpos empilhados de calor e soslaio ligam-se em vazio nos cortados gestos da antiga sagração na carne, quais amontoadas marcas deste mundo, infinitamente em solução dos silêncios guardados, em partilha do sacrifício.

Esta representação do sacrifício é a muralha e a mesma palavra que concede, um dia, no auge da batalha, a condição dos corpos e a exaltação do território. A calcinada terra numa incontrolável visão das partes erigidas, em carne silenciosa.

A civilização é esta obra e o motivo ajustados em renovação da chacina.

O silêncio ajusta um grito ao absurdo a que chamamos: as memórias inventadas do destino e chamamos e por todo o lado nos fazemos da expressão ruidosa. Nunca para o trabalho nas regiões conquistadas.

O sono do canibal saciado é feito destas carcaças ocas de calor na carne a preço de silêncio o fogo ao olhar adentra devorado de motivo e condição de alimento. Jaz derramado na pedra por acto do olhar fixo, silencioso.

E os sorrisos na terra rasgada, segundos de torres e muralhas, concertadas, urdidas.

Este caminho para a fábula é feito de palavras e de deixá-las suspensas, húmidas. Dissimulam, procedem do que fica. Qual espessa aprendizagem, qual objeto afinal, que absurdo.

Entenda-se por isto que as palavras cortam e que são cortadas, disto. Não mais do que um espirro de sangue ou de temperatura ideal, de cozedura. A fábula é utensílio de corte. A fábula é o que é cortado.

E é por isso que a dissimulação não tem fim e que o exercício do silêncio tanto pode ser uma coisa como a outra e ainda, que nunca existiu, em toda a história das palavras, uma que enganasse, pois como poderia?

Estava um dia o lobo a dessedentar-se junto ao rio quando chegou o cordeiro, etc.

Mais ainda. Conta-se que por alturas da grande enchente alguém apontou o estado da hora numa língua estranha e, fora de qualquer tempo, gesticulou. Dali partiu para regiões desconhecidas. Todos nos lembramos da comoção do êxodo e das ondas de impacto e das sucessivas réplicas que subsistem, silenciosas, na já esquecida memória. Sagrados recantos dessa nova condição.

Moral da história. A superfície dos vivos é a instalada forma do confortável indício. Recorta o activo do sangue em desejo, nas sanguíneas veias, em regresso à (estranha) língua da desolação.