23 de maio de 2008

Revolta contra a poesia.

Nunca escrevemos senão com sentido na incarnação da alma mas ela já estava feita, e por nós próprios, quando entrámos na poesia.

O poeta que escreve dirige-se ao verbo e o verbo às suas leis.
Está no inconsciente do poeta crer automaticamente nestas leis. Ele crê-se livre e não o é.

Há qualquer coisa à volta da sua cabeça, à volta das orelhas do seu pensamento. Algo germina na sua nuca onde ele já estava quando começou. Ele é o filho das suas obras, talvez, mas as suas obras não são dele pois o que era dele próprio na sua poesia não foi ele que o apresentou mas antes este inconsciente produtor da vida que o designou para seu poeta e que ele não havia designado, ele, que nunca foi regulado para ele.

Não quero ser o poeta do meu poeta, (deste eu que me quis escolher poeta), mas antes em rebelião contra o meu e o seu. E recordo-me da rebelião antiga contra as formas que vinham sobre mim.

É pela revolta contra o eu e o seja que me desembaracei de todas as maléficas incarnações do verbo que apenas foram para o homem um compromisso de cobardia e ilusão e não sei que fornicação abjecta entre a cobardia e a ilusão. Não quero um verbo vindo de não sei qual libido astral que foi toda consciente nas formações do meu desejo em mim.

Há nas formas do verbo humano não sei que operação de rapacidade, (qual auto devorar de rapacidade), onde o poeta, limitando-se ao objecto, se vê devorado por este objecto.
Um crime pesa sobre o verbo feito carne e o crime é o de o ter admitido. A libido é um pensamento de animais e são todos estes animais que um dia se emudeceram em homens.

O verbo produzido pelos homens é a ideia de um invertido esvanecido pelos reflexos animais das coisas, e que, pelo martírio do tempo e das coisas, esqueceu que o inventámos.
O invertido é aquele que come o seu eu e quer que o seu eu o alimente. Procura em si sua mãe e quer possui-la para ele. O crime primitivo do incesto é o inimigo da poesia e o assassino da sua imaculada poesia.

Não quero comer o meu poema mas quero dar o meu coração ao poema e o que quer que seja o meu coração ao poema, o meu coração é o que não é meu. Dar o seu ao seu poema é arriscar também ser violado por ele. E se sou virgem para o meu poema ele deve continuar virgem para mim.

Eu sou este poeta esquecido que se viu um dia cair na matéria e a matéria não me comerá, a mim.

Não quero estes reflexos envelhecidos consequência de um antigo incesto vindo de uma ignorância animal da lei virgem da vida. O eu e o seu são estados catastróficos do ser onde o vivente se deixa aprisionar pelas formas que percebe dele. Amar o seu eu (mim) é amar um morto e a lei da virgem é o infinito. O produtor inconsciente de nós próprios é aquele antigo copulador que se entregou às mais baixas magias e que extraiu uma magia da infâmia que consiste em misturar se a si próprio sobre si próprio, sem fim, até fazer sair um verbo do cadáver. A libido é a definição deste desejo de cadáver e o homem em queda é um criminoso invertido.

Eu sou este primitivo descontente do horror inexpiável das coisas. Não quero reproduzir-me nas coisas mas quero antes que as coisas se produzam por mim. Não quero uma ideia de mim no meu poema e não quero rever-me, a mim.

O meu coração é esta rosa eterna vinda da força mágica da inicial cruz. Aquele que se pôs na cruz nele mesmo e por ele mesmo não regressou, nunca, sobre ele mesmo. Nunca, pois este ele próprio pelo qual se sacrificou Ele próprio, também este ele o deu à vida após tê-lo forçado em si próprio a tornar-se ser de sua própria vida.

Apenas quero ser este poeta a nunca que se sacrificou na Cabala de si mesmo à concepção imaculada das coisas.

Antonin Artaud 1945

17 de maio de 2008

O romper dos vasos.


O vento cala
a morte
irrompe
tónica
belo
jardim terrestre
vazio
regresso
frio
lentas
proposições
notas
de colisões.

Basta !
Basta uma vez
assim
como
grave desvio do padrão
liquefacção
regresso
frio
impressão que não deixa,
como fundo que se põe
cais posto
preâmbulo
do que é ficar o silêncio
perto
junto
que suspende se
antecipa
revela
como pôr
que precipita
abalroa
inflige
infri(n)ge
revela de intenção
engano
belo
fugidio
lamento.

Isto
obviamente
é desintegração do objecto
momento após
pôr
do paradoxo
isso
há que olhá-lo
frente.
é
cintilação
aos olhos
que estranham-se
suspendem-se
o rito (s)
do segredo
que cinde
fende
que põe espelho
o funcionar
paradoxo
quase
como grito
que se põe
por
paradoxal
uso de intenção
do paradoxo
introduz
pela criação
do campo oculto
da linguagem
o contexto
um
contexto
e este grito importa
não
toma ®
aqui
cont®a
põe
porque se têm
múltiplo
que preenche
o campo
como
esclarecer
da significação
e não ter
campo

(nada de dialécticas)

antes
campo
fenda que abre o campo

speculum

à explosão
múltipla
cidade
que o põe
o campo
múltiplo
isto é dissolução do campo

do pathos

e isto é
actualização
do modo categórico
possibilidade de B.
mais
uma
vez
antes
preâmbulo
de B.
sua significação
à partida
seu pôr
de condição
talvez,
algo
como
praevisão
de B.
diferente
porque prévia
como adivinhar
e não ser
tomado
em B.
o talvez lá ficar
lá ficado
a B.

14 de maio de 2008

Memória da linguagem.

Uma noite que se tira e em que se buscam as palavras a uma corda que cimente a impressão, impressão cimentada, esta, que é tema aos olhos que cintilam, aleatórios, como (n)um excesso contraído que busca se e penso, o que faz se por sair, da linguagem, como alcance que não vê e apenas força se em alcançar de tema, que pensa-se, o acto da linguagem, o que quer dizer que força-se o atingir o interior do processo donde se faz – fazer - o acto da linguagem.

E porque não se pensa aqui talvez por isso seja que se diz se que não se têm aqui, na linguagem, que antes, exacta se e constata-se, marca-se, destas imposições que lhe contraem o movimento, sempre novas, entraves ao seu sempre continuado continuar ; talvez por isso.

Buscam se assim o s tema s da linguagem nas palavras que brotam, assim, que fazem se por dizer se como num frémito, caótico, que segue o ritmo, cego, ou como fora válvula de lei suicida que deixa a soar o caos o que é como busca do corpo e do corpo que são estas letras e estes signos e as suas palavras que irrompem, para de novo explodir, em ausência de sentido, de memória, em tema que é afinal, já o disse, o que se busca, o que se quer neste sentido.

E vão se fazendo as palavras deste querer que é corpo virtual e na sua palavra marca-se o processo em movimento e este ciclo, original da ordem que investe-se, apega-se, apaga-se à memória e irrompe esta forma das palavras, que surge, estatuto anterior, precedência. fim, causa.

É como trabalho de exaustão que destila e perfaz se no processo e faz se vazio a reconstituir-se, (d)o que faz se (nada) e, solucionado desse (nada) entra se no processo que limita, capta, contém uma gota na cidade do pensamento o que é como o reconhecer dessa impressão prévia de algo, algo como livro das palavras, das letras, que se põe, fundo irreal da dança externa das palavras, das letras.

E poder se ia dizer que algo faz por desfilar as formas as palavras e as letras e que este algo é como um outro, ou como um sonho, ou não, de vigília, que assiste ao desfilar e perfilar das formas e que estas têm, agora, uma facilidade fugaz e como que dom de por si se ordenarem numa série fácil.

E entre sente-se o desvio na palavra daqui que é tomada como réplica do que se busca, e isto, é como suspensão da impressão que remete, refere, na “própria” suspensão, como memória da impressão do tema que quer o tomar-se na palavra, que capta o eco da manifestação paradoxal da diferença, da palavra desfasada, formalizada, figurada, que apenas soa como eco, mais ou menos, desviado.

Poder-se-ia, talvez, chamar a isto a angústia da assimetria, ou (a)sintonia sentida, da palavra.

E o querer é este excesso que surge destacado daqui como fundamento, lógico, de qualquer operação sistemática, e a memória, que se apaga, é a da violência e do uso que dela é feito a favor de um estado, de “coisas”.

É uma maneira oriental no ocidente.

Desvio-me, talvez, do assunto, e, ou, talvez não, o que é certo é que “isto” que é a violência, antes, a captação da violência, é como que o “retomar” ou o “reiniciar” de um processo, ou de um ritual, que surge, repetido, do que está por detrás da película “nauseabunda” dos sistemas das palavras e que são como série s que alinham se pelo funcionar em si, e este funcionar em si será, talvez, o de “um” acto aleatório que culmina e marca, tempo, como fundamento de regra, inferente, como “fundamento regrado” de toda a inferência.

E este processo é, talvez, como inversão da regra que nos regressa ao coração da violência, do acto da violência, que nos põe as regras da conservação do poder da palavra, (n)as palavras, sistemáticas, assim alinhadas como padrão da violência, do desvio a contar.

A violência, ou a sua captação como acto, é real.

12 de maio de 2008

A Lua feita as estrias do som por canto grita o abismo s ditos sóis de um tomar vão que desponta o soletrar do trespasse, os espelhos inesgotáveis, os código s tidos da ostentação por cruzada maquinaria, rudimento. que diz cidade o socorrer, a festa ; e não se trata aqui do solfejo do caos nem do sol que traz-se espalhado ao alcance do impacto, da diatribe ou das longas manhãs das fontes ou das facções, dos rebentos em assimetria de desgaste virulento, ou da fútil, cravada, intenção.

9 de maio de 2008

" Quanto menos a renúncia e as restrições são biológica e socialmente necessárias tanto mais os homens precisam de ser transformados em instrumentos de uma política repressiva que os desvia de possibilidades sociais em que teriam pensado por conta própria. Talvez seja hoje menos irresponsável pintar uma utopia fundamentada do que dizermos como utopia as condições e possibilidades que já há muito se tornaram possibilidades realizáveis."

H.Marcuse.

24 de abril de 2008

Variação em W.

Um pode apreender um jogo de linguagem que o outro não pode e é nisto que tem de consistir, de facto, o daltonismo de todos os géneros. Pois, se o daltónico pudesse apreender todos os jogos de linguagem das pessoas normais porque haveria ele de ser excluído de certas profissões" ?

Wittgenstein – “anotações sobre as cores”


Sem dúvida que w. era um homem de afirmações, de afirmações da genialidade daltónica. w. trata a falta por tu e a falta deste é a de ilusões.

Sente-se, ensaia-se, interage-se, circunstancia-se - somos produzidos nos jogos de linguagem que nos funcionam – vive-se, invoca-se a dor, o prazer, repete-se, determina-se e refere-se, replica-se, atribuí-se em função de. Por vezes interrogamo-nos sobre o agente que sempre escapa e depois calamos – por fim, como que retomamos o jogo num outro nível - e o gigante move-se ... move. E sem dúvida que mesmo assumindo uma atitude céptica em relação a estes momentos da descontinuidade qualificada parece que não podemos deixar de os produzir, como se foram recordações, sempre renovadas, da tragédia que nos projecta em planos de jogos, causais.

Como terminais que não acedem ao todo do sistema, limitados, normais. -

O daltónico de w., porém, vê, ou não vê, como os normais, apresenta-se normal aos normais, furta-se, no entanto, sistematicamente, ao agir conforme ao procedimento normal do sistema, aparentemente o seu sentido é diferente (ou até inverso) ao do sistema, ou seja, à sua conservação, do. sistema.

Dir-se-ia que falta ao daltónico de w. o “saber” da acção que os normais “possuem”.

A ironia daltónica de w. roça a amargura do cinismo sem lhe tocar pois que o sistema toma a normalidade como garante de exclusão da anomalia daltónica e a falta do daltónico é a da impressão do (s) jogo (s) sistemático (s), que, aqui, não conseguem imprimir as linguagens, causais, dos seus jogos normais.

Ao daltónico de w. falta-o a falta dos normais e é essa a sua impressão, o próprio sistema de funcionamento sistemático, normal.

O daltónico de w. é mais que o sistema e é por isso que não pode desempenhar todas as profissões. É que o seu sentido de. acção é objectivo, visa, sempre, a transformação e actualização do sistema o que, por si, é fundamento e principio de actualização do funcionamento do mesmo, é principio objectivo de. acção (n)o sistema.

Sim, bem sei - diria o daltónico objectivo - que vocês jogam assim, eu não, faço por não jogar assim.

O que surge daqui é como uma translúcida impressão que dispõe os planos dos jogos, que, sempre, referem. É como retroprojecção do fantasma que se imprime em fogo, em puro movimento.

O objecto do daltónico de w. é o próprio sistema e o seu sentido é o da ultrapassagem ao mesmo, o encher-lhe as medidas ... a matriz do género daltónico é “anterior”; actualiza-se, sempre ...


“A religião, enquanto loucura, é uma loucura que provém da irreligiosidade.”

Wittgenstein.

16 de abril de 2008

S(c)ent (s)

T.

Ecos
da cadência
tida,
fundo.

int.

Uma função,
seu modo (s).

et (h).

O “sentido”,
claro,
dor , amor,
o sonho da justiça.

gn.

Continua® sempre
a chama,
faze-la sempre acesa.

m.t.

Teus olhos ¡

res.

Senso alcio
livre
do (s) contrário (s).

pot.

E o que distancia sempre tudo deste todo é este excesso !
O (h) meu desejo !

*

(i).(e)

sign.

Jo, me cago en lo.

14 de abril de 2008

O voo da solução.

O Passageiro aguarda a chamada e considera o fim da viagem que se depara. Esta é viagem que, decidido, sabe, quer fazer, e esta é viagem do regresso, da renovação, da libertação, talvez.

Não se pode, nesse momento, evitar a invasão do desconforto que, perante a perspectiva do combate, instalada, se lhe apresenta, aqui, pela forma incómoda da antecipação das formalidades rituais já, em si, creditadas. Cumpridas estas o passageiro instala-se o mais que pode no local que lhe foi designado e solicita, como em contra ritual da solução, um artifício que acalme a tensão manifesta num crescendo crescente ; o voo vai iniciar-se.

Os motores arrancam, o aparelho inicia-se o movimento na pista. Lento, inicialmente, rápido acelera-se até à suspensão nesse momento em que, sempre, transita e se toma nas alturas, como que desfazado, a olhar o lá em baixo, perigosamente em baixo.

O passageiro sempre receava - nessa estação - um congelar no beatífico lugar.

O zumbido adentra os ouvidos, toma o cérebro que o arrasta todo, perigosamente todo, como que num lugar de turbilhão caótico onde o passageiro sente a ameaça da aniquilação, a ameaça de morte.

A morte é palavra forte
tão estafada de desnorte ...

- estribilha em si o passageiro.

Este é um efeito ordinário. – pensa ; enquanto maquinalmente tapa os ouvidos nos dedos tomados em gesto de contenção, ritual que tão bem conhece.

O turbilhão passa e é já como que outra paisagem que, funda, entre as nuvens, vai desfilando, majestosa, pela janela do passageiro contemplativo já ateado em torpor de álcool e lassidão.

No entanto, algo pesa no âmago desta leveza que flui e é como um sentimento de terror que paira, indefinível, sem que o passageiro lhe encontre os sinais da constatação. Que será este desconforto, que nome lhe atribuir ? Em vão o seu olhar se dirige ao interior do avião numa busca que se inicia desse aperto que desconforta, inquieto. É como que uma busca no interior em que o passageiro faz por creditar semelhança que tirar do comportamento dos outros passageiros.

Estes conversam despreocupados. Dormem uns, conversam outros, lê, um ou outro, alguns passeiam o tédio no écran de televisão que projecta um artificio de corpos maquinados que representam, talvez ; como que formas de presença reconfortante, que, ao invés, vão no passageiro fazendo crescendo dessa ausência intranquila.

É cada vez mais forte a impressão que paira como onírico pressentimento da tempestade, e esta, não se larga mais do passageiro em torpor ; um crescendo fundo, oculto mas presente, como que uma falta instalada.

Uma artificiosa hospedeira passa no momento e o passageiro interroga-a sobre a naturalidade do curso ao que esta faz por retorquir assegurando a conformidade, do mesmo. Porém, nos olhos agudos do passageiro, é impressionada a constatação de uma sombra – um funcionamento que é artificial, mais, artificioso - e que, efectivamente, este, encontra no olhar da hospedeira que evita as explicações detalhadas.

É, aos olhos do passageiro, a confirmação da anomalia pressentida e que, imediatamente, se faz anunciar por forma de forte turbulência.

A hospedeira desapareceu e os outros passageiros ostentam agora olhares de inquirição perturbada que são como olhares que se interrogam da actual conformidade ao comportamento que deles será – eventualmente - esperado.

Correm – os olhares - o corredor de janelas alinhadas em busca de referências, sinais de reconforto, em busca da marca do reconforto, que, julga o passageiro, se manifestaria a seus (deles) olhos pela presença da hospedeira e do seu ar artificioso.

De súbito, em crescendo de tensão de sabor ensaiado sente-se o estalido metálico de iniciação da aparelhagem sonora do aparelho. Nenhuma voz ou mensagem é propagada das colunas que, durante alguns segundos, apenas, transmitem um fundo característico de chuva mecânica para, logo depois, os sons de uma conversa em surdina surpreendida, que se estendem, incompreensíveis, num pré estado de terror surdo que, agora, invade e se instala naquele espaço, aéreo.

Isto era, para o passageiro, como que o investir da anomalia.

Uma voz - o piloto, concerteza – apela a que se mantenha a calma pois a perturbação - que não é revelada - é normal, assegura : pouco demorará a passar. Discorre, de seguida, os procedimentos de rotina a ter, acabando, enfim, por reiterar a normalidade do procedimento, a cumprir.

O passageiro constata que a temperatura na cabina subiu consideravelmente e : - faz um calor dos diabos; pensa este.

Será esta súbita alteração térmica talvez sinal do início do processo que se quer ; atingir a solução da tensão instalada ? Uma primeira estação da transformação visada ? Será que é a própria tensão, quer seja ou não justificada, que gera a mudança de temperatura que, assim, tomaria meros contornos de efeito ? Pensa em si o passageiro.

No entretanto observa à sua volta, os outros, que parecem sossegados das – dúbias - explicações da voz, que metaliza, das colunas da aparelhagem e, sem parecerem notar a brusca, notória, subida da temperatura interna da cabina, voltaram ás suas ocupações anteriores.

Melhor assim ; - pensa - pois no entanto algo se passa e a prova disso é que a hospedeira não voltou a aparecer – com toda a certeza não pretende revelar-se na ambiguidade, que não deixaria de transparecer aos olhos do passageiro perspicaz - pensa o passageiro perspicaz.

O passageiro assume-se na solidão do seu voo sem, no entanto, se dar verdadeiramente conta do processo em si proposto no mesmo, que se desenrola.

Um mais forte abalo - como que um desequilíbrio - e nesta cabina, onde a noite é já profunda, a ante câmara instala-se por forma de tensão nervosa que toma os fácies, dos passageiros, que se agitam, infantilizados, em crescendo de movimento nervoso, para lá e para cá, no corredor da cabina, como num efeito térmico particular. Olham, ansiosos, as janelas em busca da causa que toma de. desfazar o avião e que, efectivamente, instalou a constatação sistemática da anomalia.

A cada momento que passa sente-se crescer a impressão prévia da catástrofe, e o passageiro, neste processo, toma-se, cada vez mais claramente, de uma calma profunda e – talvez - resignada, que lhe expõe a aparente verdade deste funcionamento – sistemático - dos passageiros.

Surge a hospedeira – finalmente - alguns dos passageiros não podem evitar uma expressão de alívio à sua vista ; outros, porém, deixam-se tomar pela cólera e cercam de interrogações a artificiosa, que sorri, muda, como se esperasse a revolta da calma para novamente assegurar, a normalidade - mas é o que não acontece, e, após ter repetido apressadamente as indicações da voz metálica, desaparece, assim, rapidamente no nariz do avião.

À vista desta nova atitude tida da ira dos outros o passageiro revela-se finalmente à ponte que estabelece à semelhança observada. O que antes tinha resignado em si como o cariz eterno da fatalidade é, agora, iluminado em crédito da arte induzida. E desta vez é a sério ; está consolidada a ponte que permite o desencadear do processo.

O avião começa a perder altitude, rápida e visivelmente, e os passageiros, cintados aos seus assentos qual sistema espartilhado em si, mesmo, gritam, choram e rezam, enquanto o solo, lá em baixo, aproxima-se a grande velocidade.

O passageiro, sereno, sorri da sua anterior intuição, da sua actual certeza. O sistema de voo é desvelado na premeditação do funcionar que impressiona em fermentação do pânico, em artifício de poder. Enfim - pensa como que à laia de invocação que justifica – o objectivo do voo é, assim, superado nas suas expectativas e este sabor de vazio imperial - luminoso até - é a constatação da vitória e do esquecimento que é – verdadeiramente – o momento analítico da solução que se precipita.

A queda prossegue em crescendo de pânico até ao colapso anterior à “efectiva” queda do aparelho, morte.

O sistema sonoro regressa-o na “realidade”.

O voo termina com a chegada ao destino proposto e conforme aos planos iniciais do mesmo; afinal - proclama a voz impessoal da aparelhagem - tudo correu bem, dentro da normalidade, sem problemas a registar.

É que afinal apenas se tratou de uma implantação lúdica que a companhia têm por hábito proporcionar aos passageiros, ansiosos, afim de os distrair, relaxar ; e que funciona, ao mesmo tempo, como operação de construção de imagem. Como uma operação de marketing de construção do pânico.

Este fomentar da tensão foi como que uma ultrapassagem da tensão e que investiu a mesma de um estado fantasmático. Uma veste mágica que se tira e observa, que se analisa num processo necessário de realinhamento, de transformação.

Enquanto desce as escadas do aparelho o antigo passageiro é inundado do sol que desponta e afinal – pensa - aquilo que se propunha como fim nebuloso da viagem revela-se, agora, um novo irromper e sabe-o, agora, este fim é um saber que integra, que toma, transformado de transcendência, numa estação que é de (se) saber, de ser.

N.R 04

7 de abril de 2008

O olhar trespassado
sustenta-se
e replica
no exercer cego
da magia crispada
que se têm
na suspensão
do adivinhar crítico
em virtual
viagem de pólo a pólo
que marca o olhar trespassado.

Torna matéria.
Oprime.
É própria crítica.

Um estilo atenta
e representa
o campo de enunciado
em pose analítica
da(s) visibilidade(s) total(s).

(Como numa premeditação integrada.)

O olhar atenta
e sustém
no repente da agressão subtil
que se insinua
firme
em olhar que invade
do vazio insinuante.

O olhar sustém
e vê-se em contratempo
na esboçada invadida interrogação.

O olhar foca e fixa
esvaziado,
deixa-se,
distendido,
no corte da creditada impressão.

O olhar deixa
- qual aliás que jorra -
e sabe
o fogo do sol
que queima.

O olhar de máscara
sustém
o choque directo
do enunciado
que agride.
(emoção)

Besta do desconforto
entre dito
que transparece
num vislumbre
que regista,
que é confirmado.

Desconforto
d’um sondar
nos olhos abertos
fugazes,
infinitamente focalizados
numa atenção funda
que salta
em substante irromper.

que é:
contínuo enunciado
que corre surdo
e suspenso
e envolve (d)os sabores
entre saboreados.

O olhar evita
o reconhecimento partilhado
e representa
as sociabilidades tensas
dos espaços comerciais,
das organizações intencionais,
no comprometer
de representação mundana...

há um inevitável momento
do reconhecimento particular
que é partilhado
na representação
de um (in)contar
e é como enunciado
sombreado
em aderência(s) que desliza(m)
como máscara(s)
de civilidade tensa.
(enunciado primário)

O olhar de verbo
que marca no sujeito
e nos olhos do pueril orgulho
apenas é
os olhos no fantasma.
(objecto)

Os olhos abertos fixos
em esfíngica moldura
que se faz na exaustão
e esvazia de fixidez real.

(investida.)

...é como que contratempo
da bestialidade que ecoa
na oculta,
substante,
movimentação.

O olhar aberto
de exausto vazio
que
- em ensaio de (in)perturbação -
se deixa
por candura de não investimento
e representação consistente.

O olhar evita-se
de anterior próximo
registo partilhado
em sentido ressentido
de impressão anterior,
que ameaça,
na projecção espacial invadida.

O olhar seduz
na distância da distância
em entrega de solicitação solene.

- -De natura instintta –

Que é:
Um respeito que se têm na terra,
uma terra que se têm na espera.

O olhar da insistência
do fogo civilizado
da natureza (fêmea)
que em nada
rodopia
as coloridas correntes
condicionadas.

Caos (in)axial
(k) não integra
os condimentos
das carnes de consumo doce.

Corpos
que se têm desalinhados
no momento do pacto,
da reunião.

O olhar de agressão
no fogo que invade
de impressão
e apelo natural,
como submissão ensaiada
na premeditação
de uma marca maternal.

Instinto de um apelo lapidar
na certeza do fogo solar
que flui,
sempre subtil,
nos odores da imensidão caótica.

E que toma
(etéreo)
(evanescente)

a semelhança que se têm
na semelhança da diferença.

(impressão)

O Olhar procura
na força imperial
que subjuga e invade,
faz ;
da força insinuação,
e faz ;
da insinuação
magia,
e subjuga ;
na impressão creditada.

- confirmatta -

... é uma velha história
de manipulação axial
que ;
nesse correr imenso das eras
se torna
em operação desalinhada
das naturezas condicionadas.

Como um desfazar (d)o tempo dos ciclos
que se precipitam,
alheios,
em ensaios de conveniência virtual.

Empatia invulnerável.
Um reconhecimento de reconhecimento.
Uma vaidade espacial.

(temporal)

- algo que sacrificar a seu sacrifício -

O olhar de cá.
Agressão reconhecida
creditada no Ocidente
dos olhos cerrados,
marcados
de um percurso solar
que flui,
cego
(Ocidental),
na impressão que
(se) toma no levantar
da premeditação,
sentida (n)das ansiedades
da agressão subtil,
que se têm ;
nas contrariedades
da suspensa inércia,
como luxo do infinito negro
que implode de multiplicação.

Espaço invasor
que se projecta,
animal,
e é qual graça que invade
todo(s) o(s) lado(s) e
se faz em espaço
no ponto da conveniência instintta.

- espaços que regressam na vida -

Os olhos que perscrutam,
exacerbados,
em estado condicionado
que busca a impressão
social da diferença.

Elogio do olhar
que sonda a insistência,
árida,
liberta dos sistemas
que sempre impõe(m)...
e,
por fim,
o olhar que parte,
enlevado
das solicitações urgentes,
do reconhecimento natural,
partilhado.

O olhar de animalidade aberta
que busca o bem de impressão.

O olhar surpreende-se
na invasão tida,
na lisonja que descentra
em inquietação
d’um esfíngico fazer
que se domina
da sustentação contida.

Os olhos furtam-se
desse embate animal
no olhar contratado
das idades celestes.

Os olhos perdem-se
na noite
que fixa e refresca
em eixo que dilui,
solícito,
as multiplicações (in)determinadas
do voo vácuo.

São espaços (in)aderentes
da condição imposta
e que fluem
pelos olhos
da multiplicação caótica
como eixo d’amor invisivel,
indeterminado.

Uma aglutinação
cósmica que germina,
misteriosa,
pelos fundos
substantes do movimento.

- antes do movimento tabelado -

Movimento,
próprio movimento
de (in)condicionada produção.

O olhar perscruta,
analítico,
em vazio referir ao objecto,
como que clarifica
e furta da marcação
em inato germinar,

que é ;
torvelinho de trituração
de matéria que cintila
em preâmbulos de informação.

Momento bestial
da marcação inominável
q’implode,
surda,
em sopros de pesado pulsar
e alheamento do vasto tido.

(vácuo)

que,
em olhar do cimo
das cristas
da noite cintilante
preenche no olhar.

(lugar)

e,
ausente do estar confortado
do infinito fluir,

- o que são eras de nada e como não permanência infinita -

em eterno se expande e
preenche
nesse fluir noctívago.

O olhar assusta
em perseguição e assédio
a marca esfíngica
do poder
que promete descanso
e rios do condicionar,
negociado,
que acolhe
nos braços do aconchego...

- vennoso -

... ilude e aproveita
num modo de informar
cego
da(s) ironia(s)
e da(s) lei(s),
do(s) destino(s) traçado(s)
nas linhas da fuga programada
da desolação combustível.
... alimento
de carne e sangue
no olhar
que imprime e vêm
dessa visibilidade
de engenho esvaziada.

O som do saber dos céus
insinua-se
pelos mantos do negro
cintilante
que corrompe,
tritura,
destrói,
irradia,
em acto essencial de vontade e criação.

Intensa (i)limitação na infinidade que se sente,
cintilante.

O olhar trespassa
e fulmina da identificação...

substantte

nos olhos fixos cerrados
da crispação,
do estupor,
e que é;
como ponto (zero)
da informação essencial
q’ irrompe,

exacerbatto(a)

em magias da fixação
e da bestialidade transparecida,
informada.

O olhar d’alcance
atento,
fixo
em devastação
que tritura e oprime
na tentação

- coccenttizatta -

decomposta
por clivagens
postas
em analítica conversação.
que dilui,
coagula,
renova
em opressões da intensidade
que transporta mutações
do movimento
que envolve,
que levanta (os) planos
que desconsolam
no enlevar
vazio.

O olhar de alcance
atento
irradia
cego
as cosmicidades germinais.

O olhar de excepção
subtil
estende-se
em rede de innuendo,
num odor livre
de ligações
da libertação assistemática
e na excepção
que se revela

- Real -

em resoluções
exaladas
do(s) mundo(s) da dissolução.

...contínuo
diálogo que sonda
e ensaia
as mágica(s)
d’um fito de vénus
de vestes vendidas
e poder.

- tout court -

Os olhos da justificação
e do compromisso
(como má consciência que rema no vazio)
marginam um dizer
como em ponto
não previsto
que investe,
vitorioso.

As visibilidades penetram
essa couraça
como em cínico
e artificial
germinar da vingança
que implode no vasto fundo

- clivagem -

em surda beleza
que irrompe
conquistadora.

(objecto de histrião)


O olhar evita
baixo
a euforia (d)o enunciado surdo.

Dá-se ,
físico,
em visível manifestação
tida d’um dizer

(d’um dizer do fundo)

sistemático
que é ;
como breve ficção
do olhar fixo e fugaz,
e que é ;
como dizer do abismo
que irrompe
em jura
de continuidade fugaz
no momento
que desliza e fica...
ponto.

Verbo emergente
que confirma
(um) percurso finito
entre registo e creditação.

Cintilação suspensa
que corre
as prévias redes pontuais
na forma dessa visão atlântica.
(lápide)

Os olhos de esfinge
ignoram e castigam

- saqueiam -

qual objecto avassalador
nos olhos do buraco negro
insaciável
de nada.

Olhos de medeia
miragem
que enlouquecem
em ponto
lapidar de nada
e são
simples apelos verticais
da besta do oriente cego.

- linguagens -

Estátuas das histórias
dos olhos vazios;
das cintilações da loucura,
das eras,
dos abismos,
das margens,
dos rios,
das histórias...

O olhar virgem
do reconhecimento natural
é mistério
que se suspende
num espaço a vir
da tensão
que se distribui...

(como em prévia impressão original)

O olhar deixa-se
na crueldade
da impressão (des)investida
e é qual sanguinário Eros da futilidade.

Ali,
do outro lado
dos olhos da impressão (des)investida
está
o próprio objecto profundo dos olhos.

...e isto quer dizer;

que,
quando,
o objecto é profundo
nos olhos abertos,
a realidade,
que os olhos de impressão
focalizam
(no objecto)
é,
assim,
um profundo terror
ali,
do outro lado,
e de onde vêm,
a impressão
que se surpreende
e faz o animal profundo.

...é como magnitude suspensa
que se projecta,
derramada,
dos olhos da impressão (des)investida.

Os olhos abertos
insinuam o interesse
consolidado
no olhar de sedução
justificado.

Os olhos abertos
ilimitados
pensam os corpos
dos olhos abertos
insinuantes.

Os olhos abertos
cerrados
(i)limitados
fixam os olhos abertos
cerrados
fixos
efectivos.

Os olhos fixos
cerrados
vazios
em agressiva vertigem
que é qual radiação dirigida
que atinge
os olhos abertos insinuantes.

Os olhos do medo
que pára
e obriga ao tédio vazio

Os olhos do fino trato
vazio
que seduzem ao abismo
e incomodam
no fundo dos olhos abertos
insinuantes.

Um (in)axial saber
imediato
num troar
de insinuação aberta.

Os olhos abertos
fixos
vazios
da ausência (in)condicionada.

O olhar de perfuração
caótica
como intensa gravitação
negra.
(força)
no apelo surdo
que radicaliza de desconforto.

Os olhos cerrados
fixos
vazios
na efectividade
(in)condicionada e subjectiva
que agride
o vazio no corpo do objecto
e nos olhos feitos vazios.
(do objecto)

O olhar aberto
sistemático
na marcação feita
a espaços
que se abrem
nos olhos abertos
analíticos.

Espaço
que se desdobra
em descontinuidade
dos olhos abertos
luminosos.

Olhos de nome
repartido
que se recorta.

Os olhos atingem
o compromisso subtil
como em jogo emotivo
que corrompe o comércio aflorado.

Os olhos predadores
da selvática invasão
buscam o alvo,
sôfregos.
qual máquina que desespera
o impacto
e se rompe,
cega,
nos olhos do vazio.

O olhar do compromisso
agride em invariante
de agonia factual
e busca
o sangue da intenção
em sintonia de selvajaria firme
e falta que se suspende
onde se separam os olhos
do compromisso invariável.

(Os olhos do inesperado vazio.)

E os olhos deslizam destas faltas
que se insinuam,
voláteis,
no olhar que então procura.

São velhas imagens,
todos os segredos desvelados,
recantos antigos que são
como que câmaras de morte revelada.

N.R 04

4 de abril de 2008

A Espiral Selvática (anotada)

(Amor é paixão civilizada!)

Era por cerca do sol da manhã quente e seguia nessa rua estreita/íngreme que ia à casa feita luminosa... do sol. Plácido, absorto, ali buscava o que lhe evidentemente escapava... Íris dos verdes vagos olhos desce em labaredas de ausência e logo ali retém o vilão sereno que interpela :

Íris - Em que vagueias e crês vilão?
Serão magias, destinos?
Sem dúvida um desconforto
pois eu digo das almas,
dos sentidos,
das intuições totais,
plurais.

O Vilão espantado do reconhecer faz as elevações da prudência, a saber; é como que vilão piedoso.

Vilão - Pois seja que bem o dizes
e venho aqui, sou.
Bela Íris, soas tão prazenteira.

O Vilão fazia de agarrar suspenso o momento em que via (a) magia e era um sonho de Íris. Um sonho irisado sem dúvida, o que, por si, já sabia, já é ... e assim foi adiante.

Íris - Pois nada mais intenso vilão
e é assim que te reconheço,
sim!
É neste momento que eu sinto.

O Vilão retrai-se, calcula.

Vilão - Que dizes tu aqui Feiticeira (1)
dos perigosos verdes olhos?

Íris - Para ti Vilão?!
Dizes então o regresso
e recusas o momento,
a reunião?

Vilão - Digo o que digo e és bela,
selvagem,
ausente.

O Vilão em sua torre atingido sacode brutal e é Íris que enlevada tão certa. (2)

Íris - Venho de estar ausente (3)
nas dores do pensar
e é nostalgia dos regressos,
a ti, antes do medo,
do mundo, vês? (4)

Vilão - Sim.
Mas por bem
que não vejas teu espelho,
em mim. (5)

Íris – Bem me sei selvagem
e desses limites.

Vilão - Que te impões,
e não de mim,
que eu não sou limitação.(6)

Íris - Pois careço se o quiseres
do sentido que me és. (7)

Fitam-se enlevados nos olhos de emanação das voltas que ecoam nas espirais.

O Vilão beija os verdes olhos

Íris - Sabes que me dou imagem
e sou perdida.

Vilão - É grande o regresso
e é trabalho o que dizes.

Íris - Falas bem vilão,
como um belo arquitecto.

Vilão - Arquitecto selvagem decerto.

Íris - ... e o nosso primeiro
eterno motivo,
saberás dizer?

Vilão - Agora és mulher.

Íris nos verdes olhos de si tão cheia na espiral que ri enamorada nas suas doces voltas.

Íris – Sim,
apenas sou mulher.

Vilão - Livre
como selvagem pode ser. (8)

O meu caminho quero ver,
pois as grandes palavras fazem-se.

Íris - E digo aqui o regresso.

Tolhidos tomam seus corpos de transformação na espiral que transpira dos poros.

Vilão - Um regresso a ti
que bebo no esquecimento.

Íris - Celebremos então
que a espiral ecoa doce e
a fazer desse trabalho é
que à Deusa eu agradeço
do que eu sinto e ser mortal. (9)

E não receio perder o chão. (10)

Vilão - Dizes do que és
e eu regresso suspenso,
tocado.

Íris murmura os ouvidos do vilão na espiral que adormece.

Íris – Regresso
os falares de amor
e sem medo em ti.(11)

Vilão - Belas palavras
de néctar e esquecimento
e o trabalho é imenso.

Íris - ... de amor Vilão.
Das grandes palavras artesão.(12)

Vilão - Faço por ser da vida,
agarrar, a saber,
do momento.

Íris - Assusta-me onde vais
pois é do total que eu sinto (13)
e é a vida
e já nada é mais
e nós dois
o que é tão doce.

Vilão - Pois que nos vamos a ter
no trabalho que nos espera.

Íris - Só mais um pouco
deste abandono tão doce
em que eu aqui
tu próprio fosse,
tu,
que és todo de mim
meu vilão
e em ti
eu a mim necessito
e vejo e inicio
o trabalho.
.
Fundem-se selváticos nessa hora da espiral que ecoa desordenada em suas voltas.

Vilão - Pois por magia são limites
na causa de tantas correntes.

Íris - Sei que és tu
e que é tudo.

Vilão - Que é tudo
e que é nada.

Íris - Tenho amnésia de nada,
eu,
só quero o nosso regresso.

Vilão - És bem mulher
e eu sou vilão
e tenho de saber a razão.

Íris - Que temos só de fazer.

Vilão – Íris pragmática.

Íris - Uma tonta enamorada
e sei dessa magia
na matéria do que temos.

Vilão - Cerrados em selvajaria,
indefinível esquecimento.

Íris - Sim,
e que é amor,
ou sou errada?

Vilão – Grandes palavras
que adiante saberemos,
talvez,
dizer.

Chegados nessa encruzilhada em que se diz do que se faz os raciocínios são assentados na espiral que ecoa.

Íris - Pois sei que é amor
e que o digo.

Vilão - Selvático,
sinuoso,
em suas voltas impiedoso
e é nesse o nome
em que eu te espalho.

Íris - Sim Vilão.

Vilão - És feiticeira
e fera do momento.

Íris - É que amo vilão e sempre e sem limite.

Íris dança gargalhadas na leveza dessa essência da espiral que ecoa os rios negros nos olhos do vilão.

Vilão - Quero-te!
própria matéria selvagem
de criação.

Íris - Matéria desconfortada (14)
pois são civilizados comércios.

Vilão - São as razões dos espaços
o que é muito espanto.

Íris - Pois não sossego vilão.(15)

Vilão - É prudência
nas correntes claras
a nossos olhos. (16)

Íris - Pois o quê vilão?!
Sei que sinto,
não chega dizer?!

Vilão - É que são espaços de morte.

Íris - Religações alugadas
de tanta fria civilidade,
hipotecas.
Sabes Vilão,
eu orgulho o ser selvagem.

Vilão - E que te quero assim.

Íris - E porquê o não dizes Vilão?!
Pois que o é total
e que eu faço
o que eu já não sei
o que eu digo, digo. (17)

Íris plasma tão pasmada e pois quer ser do vilão, das suas negras voltas.

Vilão - Pois é brutal momento
o dessa escolha prudente.

Íris - Escolha Vilão?!
Pois o que eu tenho é urgente
e dizes saber oportuno?!
Vilão!

Vilão - Ironizas em vão
dos imensos glaciares.

Íris - Pois não me interessa
e assusto os medos (18)
e brinco e não careço
dos limites e desafios.

Vilão - A devorar
e digerir. (19)

O Vilão atinge a sua razão nas negras voltas da espiral que ecoa.

Íris - A saber não quero
pois sou contigo,
completa.

Vilão - Resguardas-te desse nó?!
Adivinhas (d)onde nasce?! (20)

Íris - Tenho medo
e não quero passar,
eu sou daqui,
selvagem. (21)

Vilão - Já o não és morreste,
lembra-te, pois,
do voltar que faremos
no imenso edifício
da nossa selvagem civilidade.

Íris – É pois tudo tão confuso
neste tão imediato indistinto,
é já. (22)

Palavras do rubro vilão:

Vilão - Assentámos a matéria
das artes de navegar
e fixo-te então etérea
na coragem de desvelar.

Íris - Eu tenho um amor selvagem
eu tenho um som original,
um suave, doce, fino arrepio.

Vilão - Que bem dizes,
de amor.

A espiral selvática ecoa ritmada nas suas cadências.

Notas por N.R.

1-O Vilão sente o perigo que significa o apelo de Íris, (que é um sentimento de previsibilidade e consciência) e que, a ser seguido, significará um salto no vazio e no negro da morte. Digo que é um sentimento (de) complexo pois se bem que este efectivamente o desconheça, ou antes ao seu desenrolar, (num plano humano de conhecimento, dizia) este apelo gera-lhe por um lado a força sincera e animal da precipitação (a paixão) e por outro o complexo propriamente dito, a coloração humana da morte e do amor, do compromisso”- essas ”civilidades urbanas” - como à frente dirá Íris. Ou seja ; a projecção formal do contrato social do amor. Cabe ao Vilão reconhecer a construção virtual e condicionada dos campos pré-fabricados, por um lado, e a totalidade do instinto animal por outro. E penso, eu, que o Vilão se encontra suficientemente desperto do aproveitamento que se faz destas ambiguidades e daí também a sua ambiguidade embora, na minha opinião, se entretenha, até certo ponto, no cálculo dos” jogos das correntes”.

2- Íris está certa, sim, da paixão a que chama amor, antes, a certeza de Íris é exactamente a certeza da constatação, nesse momento, da formalização do – seu – caos, da sua ausência, naquele ponto Vilão que, a partir desse mágico momento ausente se torna, efectivamente, amor. É como uma primeira formalização da paixão caótica e informe de Íris. É um compromisso de difícil resolução que se apresenta nestes dois que se querem. O Vilão, formado de informação que deseja Íris, cauteloso, e Íris, informada de formação que quer, o Vilão.

3- Estar é uma palavra com uma conotação e coloração sonora que me agrada e que me parece bem apropriada a Íris e ao que ela sente. Íris poder-se-ia chamar : “Estar”. Ah ,Ah!

4-Íris aparenta não estar certa do objecto do seu medo. É como se quisesse convencer o Vilão de que têm medo, de algo ; será que Íris, no seu jogo de sedução, plasma um medo que efectivamente pertence ao Vilão? É, no entanto, Íris que o diz. Será que na sua intuição sedutora se oferece no papel de ”símbolo de transferência”, como espelho?

5-Será que na realidade se trata de uma (eventual) inversão subtil e que nesse caso não será Íris que toma espelho no Vilão mas o inverso? Que significa esta dupla inversão de sentido? Claro que Íris não irá ver seu espelho uma vez que, efectivamente, se está a oferecer, antes, como espelho do Vilão. - Não diz Íris: “Antes do medo e do mundo...Vês?” - e digo eu: Antes desse medo do mundo do mundo, vês-te Vilão? Como eras, quando éramos, um só; Estar! É como se Íris plasmasse as colorações “complexas” do Vilão por força a desencadear o Amor, da Paixão. Como se Íris reflectisse em si os desvios entre ditos do Vilão.

6-É como se o Vilão se descartasse, mais uma vez, da imagem que se lhe apresenta como que num écran, um efeito de écran.

7-Será que Íris carece, efectivamente, do sentido que afirma ser-lhe o Vilão? Pois não diz se sentido apenas se este o quiser? Dir-se-ia, mais uma vez, que Íris joga sedução no Vilão e de uma forma que já não é assim tanto subtil. A carência de Íris está dependente da vontade do Vilão, é uma relação relativa e a vontade efectiva está aparentemente do lado do Vilão, ou seja, Íris quer ser limitada e é esse o sentido, e é neste sentido que o Vilão lhe surge como justificação e espelho. Íris joga e seduz com as palavras afim de transformar limite em sentido.

8-Dir-se-ia que o Vilão desdenha ou não se sente seguro dessa liberdade selvagem de que fala, assusta-o talvez..

9-Atrás, Íris espelhava talvez os desvios do Vilão, agora, pelo contrário, incentiva-o no desvio correctivo, (?) na direcção certa.

10-Íris continua, cada vez menos subtil, o seu trabalho terapêutico de monitorização. Desta vez é o medo que, na realidade, não está em Íris mas no Vilão como aqui ela lhe diz de forma subtil.

11-O Vilão continua os seus processos de intenção pois aparentemente apenas vai fazendo por ser, não é, efectivamente. É como que uma racionalização “impotente”.

12-Íris continua a dizer a primeira e única limitação e que é o próprio veículo, segundo ela, que contém e formaliza todas as cores e formas.

13-Íris choca-se da “neurose” do Vilão? Em Íris a sensação e a constatação do sentir estranham a racionalidade Vilã.

14-Terminado o trabalho de conversão do Vilão as polarizações invertem-se, novamente, e é agora íris que monitoriza, sugere, a racionalidade esquecida do Vilão. É como o culminar de uma dupla inversão, ou dupla inversão no écran que é Íris. O dissolver dos pólos, mais e menos, que prendiam e travavam o Vilão.

15-Íris, que é caos e movimento, descobre que até na primeira limitação do último véu em face, (que passou), não pode e não consegue estar; chega, enfim, a hora do Vilão se assumir como Vilão, de tomar e formar a essência, de morte.

16-O Vilão, embora não tenha abdicado da sua racionalidade, surge impregnado de movimento. A sua polarização inverteu-se primeiro para agora se afinar em premeditação.

17-Íris desespera de informação e é final e completamente integrada; o Vilão, a partir daqui, vai crescer na sua premeditação, paixão, de amor ; é a efectivação desta dupla inversão de écran que trouxe o Vilão da limitação à ilimitação e agora à deslimitação efectiva, à sua integração. Íris é o espelho invertido desta viagem.

18-É curioso, pois dir-se-ia que Íris se desdobra em si e se monitoriza como écran de si própria defronte ao Vilão.

19-O Vilão, seu “upgrade” feito, já vê à frente sem se tomar, prender.

20-É o Vilão que assiste e incentiva o combate de Íris com o seu écran de projecção civilizada.

21-É o medo que Íris (lá atrás) plasmou do Vilão que a toma de (se) invadir e ultrapassar o “seu” écran, como se o fantasma do Vilão se tivesse formalizado em écran de Íris agora que se autonomizou do Vilão.

22-Momento culminante em que Íris motivada e desencadeada pelo Vilão se precipita na dissolução e que é a dissolução do desvio e do fantasma do Vilão. A partir de agora Vilão e Íris, Íris e Vilão são apenas... amor... ou antes, “paixão amorosa”; “selvagem civilidade”.

NR 03