12 de junho de 2008

A Artaud - Variações a propósito de um tema (de lewis carrol)

Não se trata aqui de uma tradução mas sim de uma adaptação - variação a propósito do tema - de um poema donde o meu pensamento se regulou para se juntar ao autor em espírito e assim se viu, a si mesmo e por si mesmo, não propriamente no seio deste poema mas no da poesia.

Lewis Carrol viu o seu eu como num espelho mas não chegou na realidade a crer neste eu , e quis, então, viajar no espelho afim de destruir o espectro do eu além de si mesmo, antes de o destruir no seu próprio corpo, pois era ao mesmo tempo em si mesmo que expurgava o duplo deste eu.

Há neste poema um estado determinativo dos estados - por onde passa a palavra – que é matéria antes de florir no pensamento e operações de alquimia salivar, se assim o podemos dizer, e que todo o poeta, do fundo da sua garganta faz subir à palavra - (música, frase, variação do tempo interior) - antes de regurgitar matéria para o leitor.

Prova-o esta estranha comparação marcada perante um trecho de caça grossa epicurista que, para melhor apurar o seu paladar, retém um bocado por seis que degusta, e o poeta, (sonhando um ar melódico supremo), afim de aumentar a degustação interna lança se assim sobre os seus limites.

Este poema onde uma frase musical tipo parece diluir-se golpe a golpe em fumos é o poema de um insensato que um dia entrou no ser e acabou por abandoná-lo, é o esforço de todos os insensatos em ser e em se deter a uma realidade ela mesma fugidia e condenada e à qual não se detém senão em função da sua própria perversidade.

Degustamos minuciosamente o pensamento e a linguagem mas durante este tempo a nossa alma foge-nos e ela era esta realidade, ela mesma, perante a qual nos julgámos marcados. E o nosso eu celeste, o anjo de cabelo ruço de Carrol, lutava sobre a terra com seu espectro traiçoeiramente mutificado em demónio.

Pois Lewis Carrol é na realidade um espírito de cólera da reivindicação e do furor. Uma espécie de emissor nascido da percepção e da linguagem e se isto não se pode crer ao lê-lo é porque ninguém teve jamais a ideia de espreitar com ele por trás do espelho interno onde o seu espírito, contraído e em sofrimento, não se pôde impedir de passar.

O epicurista que Lewis Carrol acusa deste pecado de perversidade consigo mesmo é ele mesmo, e o movimento irado a que toda a sua obra apela é contra o eu e as condições ordinárias do eu, ou seja, à noção temporal do nosso eu.

Fatigado e em sofrimento por qual pecado passou a vida a executar variações sobre este tema, mas, ler a obra de um poeta, é, antes de tudo, ler de viés. Pois toda a obra escrita é um espelho onde o texto escrito se funda perante o não escrito.

E o não escrito de Lewis Carrol é uma profunda, sábia, vertiginosa insatisfação.

As coisas, Lewis Carrol, não são de facto tudo o que são. E podemos sonhar sobre este tema e executar variações que sempre a ideia do eu perverso nos retorna como uma desafiadora regurgitação, quando encontraremos nós, enfim, este não eu onde nos vimos tais que nós mesmos, enfim, e puros, quer dizer, virgens, no fundo do espelho eterno.

O ar sonhado toda a vida por Lewis Carrol é o do seu eu melódico supremo, palavra certa do serafim soterrado por trás dos fantasmas assustadores das coisas e que um dia nos regressará,... mas quando ? Através de quais músicas, de que ar, num mundo que não têm mais o eixo de um ar eterno a dizer se, nem uma música imaterial e sobrenatural a repetir se.

*

Não amo a gazela rara
e não gosto de comer os pratos caros
pois os altos preços aproveitam
aos especuladores dos pobres lábios
e não quero ao fazer isto
mutar-me em açambarcador.

Pois vejo vir a mim com olho embolsado e negro
o meu filho à hora da saída da escola,
que tendo se batido contra quem e quê,
e não sabendo bem dizer porquê,
tenho a impressão de me ver
em batalha perante o meu espelho
contra o meu próprio desespero.

Mas quando vêm para melhor me conhecer
lançar-me-á fora o irritável senhor,
e,
assim que me ponho a tingir o cabelo
é que SUA GRAÇA intratável nota mudança
e a espécie admira.

E ela me ama enfim, estava seguro de que a minha tinta
de azul aviltado ou verde lodaçento
deixaria espesso traço visível a metade sobre os meus olhos
de um potente ruivo que me distingue melhor.

Antonin Artaud - Variations à propos d’un théme (d’aprés Lewis Carrol) ; 1943.

9 de junho de 2008

Olhos negros.

Tu, és a profundidade de todos os cumes.

F.Nietzsche.



Obscuro norte desce em torrente s que toma da matéria
a condição, gélida, total e indivisa
que insinua a escura face em momento que estranha-se,
alinha e é quando assinala o sitio
originário, à afecção do marcar,
irromper da presença junta
como eterna tirania que fica no aconchego da elevação.

Local que foge
e permanece em presença móvel do estupor,
que toma o afecto em paradoxo
e o agarrar do movimento que é a ela,
aos olhos
que suspeita-se a toda possibilidade
de ser,
de estar
e estaca-se perante o que busca,
que nota o espanto,
o tão grande apelo, excuso
difuso do corpo magno,
inquieto
na carne que devassa se em pergunta
pelos olhos
da inquietação, que transcende se desse sentido
e por vezes julga o sentir,
como esclarecimento na luz,
negra,
que surge,
como se do coração tratara.

Pusesse ao sabor o sentimento indizível
que furta se a deixar o que acirra,
em marcação da carne,
carne aposta a carne
que faz se espanto,
onde não há cintilação,
cume que marque em desejo
a silenciosa presença que agarra
do fundo,
profuso umbilical cordão negro
suspeitado.

Imenso sentido que deixa estar da insinuação invisivel,
contempla angústia que move
e dos profundos olhos irrompe num instante
que se tem, fora de qualquer espaço,
invade os campos aos olhos que questionam,
sua inatingível face
que engana, precipita
em furtivo permanecer que excede de dentro do olhar,
busca os seus olhos
que tudo precedem em atavio inquieto,
negro
gelo que conforta,
dilacera o olhar marcado,
híbrido,
move o que olha ao abismo,
fende e deixa condição
de dor,
urgência.

Inevitável escolha que funda se
do desvelo nocturno, cobre em verdade
e fere o sol do desejo no caminho
que surge ao dia dos regatos festivos,
como estrela da manhã que substitui se em acção,
doce
ao sabor furtivo dos olhos negros.

Como imagem acertada do desejo
na arte dos cumes cintilados,
dão se o fazer de ilusão
por tépida languidez do que é determinado,
como mesmo, que faz se artifício da luz
e desponta nas manhãs
que dão se ao acto,
da cidade, o prazer híbrido,
húmido
êxtase fugaz
por civilidade que deixa memória
nos olhos cheios, da ausência que fica.

O sentido de tudo isto que passa
faz se ao olhar que não têm certeza,
frenesim que não deixa
descanso a antes dos olhos.

Ilude no mesmo em desacerto que revela
e deixa na manhã,
nervo que transforma em sentido agitado
o regresso aos olhos do absurdo, que é fora
do alcance e força o revelar,
no atirar da manhã
que reflecte a verdade aos olhos que passam
além do olhar negro, impregnado,
que toma todo corpo
e toda a carne fora do espaço posto
por ti, ao surgir que faz se alinhado
no olhar que já não vê,
que apreende o misto da surpresa,
estranho teu olhar ausente,
que dá termos, ao olhar e já não olha ao instante
e deixa no passar, do olhar que toma
a informar a forma fugaz,
externa,
ampla,

Como mesma imagem que preenche
e fita o esclarecer paralelo,
passa de um movimento
que cala fundo na cor do favor,
dos olhos que internam
e já não são olhar,
a ti.

Este frio que revela
inatingível o faz, não olhar
agora que divides te, e cobre,
deixa se em preencher corte que liga
e desliza dos olhos insinuados,
que trazem olhar feito, às vias inversas
e o gelo na ausência dos olhos,
que revela, em ser e é isto que passa
e não és, o que jorra extenso, ilusão
ao abrir à imagem que são olhos,
e dá se, da ausência que toma,
que é, não isto ou aquilo antes tu.

4 de junho de 2008

Estar.

Intende
o custo
cego
esgota
(n) mover
e marca,
tira,
caótico
prevalece
e é bem
ritual
da coisa
e
digo
como
o saber
o que
é
este,
e que
isso
sabe-se
ao iniciar
a distância
que não

faz-se
rodar
faz se
a rodar,
o que é
algo
que
vai
sabendo
se
e não
o que faz
se,
ali,
por ali
cair -
ou
atingir
e diz
sinais
que
não
importa
continuar
até
que
surja
o
que
toma
daí,
e

pode
dizer-se
início,
fim,
enfim,
e faz se
o
que pode ser
assim,
que faz
se
e
não diz
se
chegar
a lado
algum
e ma(i)s
o continuar
se
ou não,
o que
é possível,
e é isto
que
é como
custo
do fazer

o continuar
que dispõe-se
de contrário

que é
ficar
das imagens,

as imagens
de estar
ou
com
palavras
de estar,
o que
põe-se
pensamento
de estar,
não
estar,
que liga
e faz
roda
estar
à pergunta
para si
que
responde
se
ou não,
para si,
no silêncio,
que contrai,
o forçar
continuar
a roda
ao esquecer
o custo
do rodar
sacrifício
que
faz
se
consciente
no ritual,
e
que isto
digo,
dizia,
sim,
não
o pensar
efeito
mas
forçar
o aparecer
efeito
diz
e
está
como
conhecer
ou
saber
ser
e sabe
que
ouve
se
sempre
alucina
da
sobre
presa
selvagem,
solo
que é
esta
intenção
que

assim
inicia
o fazer
(se)
o
sentido,
que
diz
aqui
que
se
busca
(n)o
continuar
ao
aparecer
e nada
aparece
e
isso
é
cor
que
têm
ou
então
explode
nada
e talvez
seja
isso
(como)
local
continuar,
que fere
e desfila
dos olhos
o movimento
rápido,
tenso
da intenção
de dizer,
que
não é
dizer
antes
mover
que
quer
quase
e aparece
por vezes,
o deslocar
em superfície
abordada,
a fazer
curto
silêncio
no caos
que é
este
que
tomo
o quase
fim
que deixa
por fim,
no
estar
resolve®
que força
nada
que
traz
silêncio
ao reunir
do caos
representado
da revelia
soberba,
que é
boa
palavra
soberba,
e
já se dizia
ou diria
alguém,
que fico
aqui
ali,
não
tenho
perder
disse,
sente
e que sente
o que
atira,
ali,
não
mais
que diz
e rebenta
faz,
agora,
refere
a tensão
disso
tudo
e
do
que é
e
devia
ser.

e a atenção disso tudo.

o que deve ser suposto,
ou sobreposto
e diz se assim.
... conto o assim.

2 de junho de 2008

A múmia entranhada.

(Artaud.)

Totem à porta, olho morto
regressado neste cadáver,
este cadáver esfolado que lava
o horrível silêncio do teu corpo.

O ouro que sobe, o veemente
silêncio deitado sobre o teu corpo,
a árvore que carregas ainda,
e este morto que marcha em frente.

Vê como rodopiam os fusos
nas fibras do coração escarlate
e este grande coração onde o céu eclode
enquanto o ouro te imerge os ossos -

É duro campo de fundo o panorama
que se revela enquanto marchas
e a eternidade ultrapassa-te
pois não podes perder o ponto.


Invocação à múmia


Estas narinas de pele e osso
por onde começam as trevas
do absoluto, a pintura dos lábios
que cerras como uma cortina.

E este ouro que te brilha em sonho
e a vida que te despoja dos ossos,
e as flores deste olhar falso
junto por onde regressas à luz

Múmia, e estas mãos de fuso
para te revolver as entranhas,
estas mãos onde a sombra lamentável
toma a figura de um pássaro.

Tudo isto de onde se orna a morte
em estupor dum rito aleatório,
este borbulhar de sombras, e o ouro
onde nadam as tuas entranhas negras.

É por aí que te torno,
pela estrada calcinada das veias,
e o teu ouro é como a minha pena
e o pior é o mais sob testemunho.


Antonin Artaud - « La momie attachée et autre textes autour du Surrealisme ».

26 de maio de 2008

“ ... e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra ... desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. “

Gn. 11;4;7.


Quanto a Babel tenho dúvidas. Quanto às interpretações usuais do episódio, quero dizer.
Lembro me de um dia ter lido, algures, uma referência que abordava o episódio de forma mais ou menos misteriosa, como se fora uma espécie de segredo bem guardado por algumas confrarias de sábios eruditos, ou que, seriam, estes sábios eruditos, pelo menos relutantes no tecer de qualquer tipo de comentário ou consideração em relação ao dito episódio.

A “explicação” do episódio, a sua significação diria, não se encontrará propriamente, suponho, nas conclusões racionais de queda, dispersão e confusão das línguas como consequência de um projecto quimérico de produção de linguagem objecto - muito embora estas conclusões não deixem de ser “verdadeiras” e legítimas - mas sim, como qualquer mito aliás, numa marcação “psicológica” caracterizada, neste caso, por um efeito que teria surgido no autor em circunstâncias nas quais se dedicaria a produções, progressões, ou projecções a partir da, ou na, linguagem. Este efeito, que suponho bem conhecido por quem quer que se dedique à criação de linguagens artificiais a partir da manipulação de nomes será, assim, ou uma estação fragmentada no percurso de acesso a esse objecto idealizado ou, então, o atingir do próprio objecto perseguido no dito processo.

Claro que este é um ponto de vista individual, limitado, e, portanto, “verdadeiro”.

As conclusões racionais que referi e que geralmente se tiram do episódio de Babel apontam, geralmente, para um momento de passagem, como um efeito ou consequência que teria transportado o Homem a um novo enquadramento, a uma nova organização, e Babel seria, neste sentido, o “símbolo” de um qualquer radical livre que teria gerado o primordial salto quântico religioso, ou cultural, que culminaria nos mitológicos impérios do bronze ; ou seja, a passagem de uma rede social assente no sangue e no parentesco, do tipo tribal, a uma outra do território económico, das suas relações de poder e do estado imperial..

Após Babel nada seria como antes.

Este salto, poderia pensá-lo como consequência do encher das condições estruturais do neolítico e consequente surgir do tédio neolítico, ou da possibilidade daí resultante. O pôr da possibilidade de mais nas longas noites do tédio neolítico reflectido.
.
E falam, estas interpretações que referi, talvez, da tentativa de construção da primeira linguagem artificial, talvez, a escrita, talvez, a astronomia, talvez, o conceito de tempo maquinal, talvez, até, a própria noção de indivíduo, talvez.

Do que se fala com toda a certeza, digo eu, é da “invenção” do trabalho organizado em função de um “nome”, de uma “obra”, de um imperador ou de um deus; de um “ideal” ou noção de infinito. Da civilização diria.

A partir desta “obra”, ou “forma”, a linguagem é já a do território económico e da organização social do estado, ou dos estados, mais propriamente, pois uma das mais usuais (interpretações) fala-nos da confusão que se seguiu à intervenção divina como de uma fragmentação desta linguagem criada em múltiplas outras linguagens técnicas, artificiais, resultantes da divisão do trabalho e da sua organização com vista à prossecução da “obra”. Um nascer das várias confrarias de artífices que teriam estado empenhados na obra, herméticas entre si, e cada uma delas apoiada na sua própria linguagem objecto.

E mais, do irromper de uma casta sacerdotal guardiã da linguagem do tempo maquinal, da burocracia. Como se a noção de infinito se tomasse aqui e se pusesse como ponto de vista da estrutura.

E este ponto de vista especular que surge, assinala, talvez, o próprio nascimento do Mito enquanto notação de um trajecto (psicografia), por um lado, e fundamento (cultural) da estrutura por outro. O Mito, que foi o trajecto percorrido desde a anterior organização social até esta nova é, agora, no acto de ser notado na linguagem, invertido no seu sentido que passa a ser a conservação da nova estrutura e dos privilégios linguísticos das suas emergentes castas. Esta nova organização toma-o - o Mito – nesta notação que lhe inverte o sentido e coloca-o como mecanismo de condicionamento e controle mental da matéria humana. A “cultura”.

Este mecanismo especular que têm, talvez, a sua origem e contrapartida mais remota nas fogueiras da deusa do neolítico vêm, aqui, ao tomar-se espelho, dar-se à luz do desejo, assumir a linguagem do “deve ser” civilizado – que virá a culminar, alguns milénios à frente na bem actual estrutura da má consciência - e a tornar-se, assim, o garante (oculto) maquinal de uma representação festiva que têm, como fundamento e objectivo, o conservar de um ilusão.

Ilusão esta que é a imagem do estado, da lei artificial.

Após tudo isto chego, finalmente, ao tema a que me propunha de início, e torno a perguntar-me : quanto a Babel ?

Parafraseando Bachelard diria que : a imagem é o sujeito, em nós, do verbo imaginar e que esta prestar se á aos exercícios de imaginação aos quais estaremos mais predispostos, ou seja, sobre os resquícios formais com maior capacidade de se perdurarem, ou intrometerem, na consciência e, assim, sofrerem a acção explosiva, ou desintegradora, do imaginário.

Como se a intrusão do verbo (imaginar) no campo exclusivo do nome (Babel) viesse a gerar o paradoxo, a queda e a confusão. Talvez daqui a renitência dos sábios eruditos em comentar a significação do episódio bíblico, ou seja ; não será sem custo que um desses eruditos se propõe atingir Babel e o minimizar desse efeito de desencadeamento, ou de confusão, passará, talvez, pelo anonimato em relação à passagem a Babel. O produto dali, bem, o produto dali será o culminar da linguagem conceptual, os sistemas, a ciência, as linguagens formais.

E talvez este culminar formal e consequente confusão se tenha antes à “sombra de Babel”, como fora, “este nome”, exemplo transfinito ou protótipo transfinito e, aqui, a confusão estaria não em Babel, mas, antes, no momento imediatamente anterior a Babel ou seja, no limbo de Babel. A confusão seria, aqui, como que preâmbulo de Babel : o “sítio” onde as linguagens seriam efectivamente confundidas - ou co fu (n) di da s - e onde apenas ficaria a própria “matéria” a impressionar e seria, neste caso, ao transpor este “limite” entre os “dois” estados - antes de Babel e Babel - que estaria a explosão do objecto em miríades de objectos.

A falar verdadeiramente será até outra coisa, “bem pior”, mas enfim, (n)aquele momento em que a “matéria” adquire a abertura total à impressão e porque ainda não atingiu Babel, e ainda é sujeita a impressões de resquícios formais que vogam nesse limbo, nesse momento é uma “matéria” ainda e completamente vulnerável.

“Pensava às vezes que estava prestes a falar, mas o silêncio continuou ... “ H.Bloom.

Bom, sem dúvida que Babel é uma imagem forte e o seu quase culminar formal em linguagem caótica, em fusão das linguagens num momento, em confusão – “confusão” esta, aliás, profusamente notada e “enquadrada” pela cabala askhenazi – é, por fim, dissolução desta e irromper, da “confusão”, em esclarecimento que é ausência de linguagem.

“ Depois de cavalgar três dias e três noites chegou ao lugar, mas decidiu que não era sítio onde pudesse chegar.”
H.Bloom.

E claro que aqui já não se “fala” da vulgar confusio.


“Os espíritos falam todos entre si uma linguagem sensual, não precisam de outra linguagem, porque a sua linguagem é a linguagem da natureza.”
J.Böhme.

Em verdade em verdade sorrio,
a plasticidade absoluta é ninguém.

23 de maio de 2008

Revolta contra a poesia.

Nunca escrevemos senão com sentido na incarnação da alma mas ela já estava feita, e por nós próprios, quando entrámos na poesia.

O poeta que escreve dirige-se ao verbo e o verbo às suas leis.
Está no inconsciente do poeta crer automaticamente nestas leis. Ele crê-se livre e não o é.

Há qualquer coisa à volta da sua cabeça, à volta das orelhas do seu pensamento. Algo germina na sua nuca onde ele já estava quando começou. Ele é o filho das suas obras, talvez, mas as suas obras não são dele pois o que era dele próprio na sua poesia não foi ele que o apresentou mas antes este inconsciente produtor da vida que o designou para seu poeta e que ele não havia designado, ele, que nunca foi regulado para ele.

Não quero ser o poeta do meu poeta, (deste eu que me quis escolher poeta), mas antes em rebelião contra o meu e o seu. E recordo-me da rebelião antiga contra as formas que vinham sobre mim.

É pela revolta contra o eu e o seja que me desembaracei de todas as maléficas incarnações do verbo que apenas foram para o homem um compromisso de cobardia e ilusão e não sei que fornicação abjecta entre a cobardia e a ilusão. Não quero um verbo vindo de não sei qual libido astral que foi toda consciente nas formações do meu desejo em mim.

Há nas formas do verbo humano não sei que operação de rapacidade, (qual auto devorar de rapacidade), onde o poeta, limitando-se ao objecto, se vê devorado por este objecto.
Um crime pesa sobre o verbo feito carne e o crime é o de o ter admitido. A libido é um pensamento de animais e são todos estes animais que um dia se emudeceram em homens.

O verbo produzido pelos homens é a ideia de um invertido esvanecido pelos reflexos animais das coisas, e que, pelo martírio do tempo e das coisas, esqueceu que o inventámos.
O invertido é aquele que come o seu eu e quer que o seu eu o alimente. Procura em si sua mãe e quer possui-la para ele. O crime primitivo do incesto é o inimigo da poesia e o assassino da sua imaculada poesia.

Não quero comer o meu poema mas quero dar o meu coração ao poema e o que quer que seja o meu coração ao poema, o meu coração é o que não é meu. Dar o seu ao seu poema é arriscar também ser violado por ele. E se sou virgem para o meu poema ele deve continuar virgem para mim.

Eu sou este poeta esquecido que se viu um dia cair na matéria e a matéria não me comerá, a mim.

Não quero estes reflexos envelhecidos consequência de um antigo incesto vindo de uma ignorância animal da lei virgem da vida. O eu e o seu são estados catastróficos do ser onde o vivente se deixa aprisionar pelas formas que percebe dele. Amar o seu eu (mim) é amar um morto e a lei da virgem é o infinito. O produtor inconsciente de nós próprios é aquele antigo copulador que se entregou às mais baixas magias e que extraiu uma magia da infâmia que consiste em misturar se a si próprio sobre si próprio, sem fim, até fazer sair um verbo do cadáver. A libido é a definição deste desejo de cadáver e o homem em queda é um criminoso invertido.

Eu sou este primitivo descontente do horror inexpiável das coisas. Não quero reproduzir-me nas coisas mas quero antes que as coisas se produzam por mim. Não quero uma ideia de mim no meu poema e não quero rever-me, a mim.

O meu coração é esta rosa eterna vinda da força mágica da inicial cruz. Aquele que se pôs na cruz nele mesmo e por ele mesmo não regressou, nunca, sobre ele mesmo. Nunca, pois este ele próprio pelo qual se sacrificou Ele próprio, também este ele o deu à vida após tê-lo forçado em si próprio a tornar-se ser de sua própria vida.

Apenas quero ser este poeta a nunca que se sacrificou na Cabala de si mesmo à concepção imaculada das coisas.

Antonin Artaud 1945

17 de maio de 2008

O romper dos vasos.


O vento cala
a morte
irrompe
tónica
belo
jardim terrestre
vazio
regresso
frio
lentas
proposições
notas
de colisões.

Basta !
Basta uma vez
assim
como
grave desvio do padrão
liquefacção
regresso
frio
impressão que não deixa,
como fundo que se põe
cais posto
preâmbulo
do que é ficar o silêncio
perto
junto
que suspende se
antecipa
revela
como pôr
que precipita
abalroa
inflige
infri(n)ge
revela de intenção
engano
belo
fugidio
lamento.

Isto
obviamente
é desintegração do objecto
momento após
pôr
do paradoxo
isso
há que olhá-lo
frente.
é
cintilação
aos olhos
que estranham-se
suspendem-se
o rito (s)
do segredo
que cinde
fende
que põe espelho
o funcionar
paradoxo
quase
como grito
que se põe
por
paradoxal
uso de intenção
do paradoxo
introduz
pela criação
do campo oculto
da linguagem
o contexto
um
contexto
e este grito importa
não
toma ®
aqui
cont®a
põe
porque se têm
múltiplo
que preenche
o campo
como
esclarecer
da significação
e não ter
campo

(nada de dialécticas)

antes
campo
fenda que abre o campo

speculum

à explosão
múltipla
cidade
que o põe
o campo
múltiplo
isto é dissolução do campo

do pathos

e isto é
actualização
do modo categórico
possibilidade de B.
mais
uma
vez
antes
preâmbulo
de B.
sua significação
à partida
seu pôr
de condição
talvez,
algo
como
praevisão
de B.
diferente
porque prévia
como adivinhar
e não ser
tomado
em B.
o talvez lá ficar
lá ficado
a B.

14 de maio de 2008

Memória da linguagem.

Uma noite que se tira e em que se buscam as palavras a uma corda que cimente a impressão, impressão cimentada, esta, que é tema aos olhos que cintilam, aleatórios, como (n)um excesso contraído que busca se e penso, o que faz se por sair, da linguagem, como alcance que não vê e apenas força se em alcançar de tema, que pensa-se, o acto da linguagem, o que quer dizer que força-se o atingir o interior do processo donde se faz – fazer - o acto da linguagem.

E porque não se pensa aqui talvez por isso seja que se diz se que não se têm aqui, na linguagem, que antes, exacta se e constata-se, marca-se, destas imposições que lhe contraem o movimento, sempre novas, entraves ao seu sempre continuado continuar ; talvez por isso.

Buscam se assim o s tema s da linguagem nas palavras que brotam, assim, que fazem se por dizer se como num frémito, caótico, que segue o ritmo, cego, ou como fora válvula de lei suicida que deixa a soar o caos o que é como busca do corpo e do corpo que são estas letras e estes signos e as suas palavras que irrompem, para de novo explodir, em ausência de sentido, de memória, em tema que é afinal, já o disse, o que se busca, o que se quer neste sentido.

E vão se fazendo as palavras deste querer que é corpo virtual e na sua palavra marca-se o processo em movimento e este ciclo, original da ordem que investe-se, apega-se, apaga-se à memória e irrompe esta forma das palavras, que surge, estatuto anterior, precedência. fim, causa.

É como trabalho de exaustão que destila e perfaz se no processo e faz se vazio a reconstituir-se, (d)o que faz se (nada) e, solucionado desse (nada) entra se no processo que limita, capta, contém uma gota na cidade do pensamento o que é como o reconhecer dessa impressão prévia de algo, algo como livro das palavras, das letras, que se põe, fundo irreal da dança externa das palavras, das letras.

E poder se ia dizer que algo faz por desfilar as formas as palavras e as letras e que este algo é como um outro, ou como um sonho, ou não, de vigília, que assiste ao desfilar e perfilar das formas e que estas têm, agora, uma facilidade fugaz e como que dom de por si se ordenarem numa série fácil.

E entre sente-se o desvio na palavra daqui que é tomada como réplica do que se busca, e isto, é como suspensão da impressão que remete, refere, na “própria” suspensão, como memória da impressão do tema que quer o tomar-se na palavra, que capta o eco da manifestação paradoxal da diferença, da palavra desfasada, formalizada, figurada, que apenas soa como eco, mais ou menos, desviado.

Poder-se-ia, talvez, chamar a isto a angústia da assimetria, ou (a)sintonia sentida, da palavra.

E o querer é este excesso que surge destacado daqui como fundamento, lógico, de qualquer operação sistemática, e a memória, que se apaga, é a da violência e do uso que dela é feito a favor de um estado, de “coisas”.

É uma maneira oriental no ocidente.

Desvio-me, talvez, do assunto, e, ou, talvez não, o que é certo é que “isto” que é a violência, antes, a captação da violência, é como que o “retomar” ou o “reiniciar” de um processo, ou de um ritual, que surge, repetido, do que está por detrás da película “nauseabunda” dos sistemas das palavras e que são como série s que alinham se pelo funcionar em si, e este funcionar em si será, talvez, o de “um” acto aleatório que culmina e marca, tempo, como fundamento de regra, inferente, como “fundamento regrado” de toda a inferência.

E este processo é, talvez, como inversão da regra que nos regressa ao coração da violência, do acto da violência, que nos põe as regras da conservação do poder da palavra, (n)as palavras, sistemáticas, assim alinhadas como padrão da violência, do desvio a contar.

A violência, ou a sua captação como acto, é real.

12 de maio de 2008

A Lua feita as estrias do som por canto grita o abismo s ditos sóis de um tomar vão que desponta o soletrar do trespasse, os espelhos inesgotáveis, os código s tidos da ostentação por cruzada maquinaria, rudimento. que diz cidade o socorrer, a festa ; e não se trata aqui do solfejo do caos nem do sol que traz-se espalhado ao alcance do impacto, da diatribe ou das longas manhãs das fontes ou das facções, dos rebentos em assimetria de desgaste virulento, ou da fútil, cravada, intenção.

9 de maio de 2008

" Quanto menos a renúncia e as restrições são biológica e socialmente necessárias tanto mais os homens precisam de ser transformados em instrumentos de uma política repressiva que os desvia de possibilidades sociais em que teriam pensado por conta própria. Talvez seja hoje menos irresponsável pintar uma utopia fundamentada do que dizermos como utopia as condições e possibilidades que já há muito se tornaram possibilidades realizáveis."

H.Marcuse.